PINTURA DE PAUL OLSEN DE UMA VISÃO IMAGINÁRIA DA TERRA VISTA DO ESPAÇO, AO LESTE DE NOVA YORK À NOITE, COM OS PRINCIPAIS PLANETAS USADOS NO GEOLOGICAL ORRERY. DE BAIXO PARA CIMA: JÚPITER, MARTE (AVERMELHADO), VÊNUS E A LUA (FOTO: PAUL OLSEN)
Analisando camadas da crosta da Terra, cientistas criaram um modelo para medir movimentos planetários de milhões de anos
Estudando minerais magnéticos embutidos em rochas antigas da Terra, geólogos descobriram que o campo magnético do planeta reverte seus pólos (pontos extremos) a cerca de uma vez a cada 250 mil anos, em média. Segundo Paul Olsen, paleontólogo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, elas podem dar pistas sobre a história da Terra, do Sistema Solar e da Via Láctea.
Em uma pesquisa publicada na revista Proceedings of the National Academy of Science, Olsen e seus colegas argumentam que os ciclos astronômicos dos planetas podem ser medidos pelas camadas de rochas terrestres. Isso porque núcleos cilíndricos de rochas extraídos do solo antigo contariam com traços da influência da gravidade de outros planetas, permitindo que os cientistas possam inferir as posições históricas deles há centenas de milhões de anos.
"É um novo mundo de dados empíricos que permite testes de teorias do Sistema Solar em larga escala", disse Olsen. Seu modelo de trabalho, nomeado Geological Orrery, foi usado para revelar ciclos orbitais que nunca haviam sido medidos antes. De acordo com ele, este método poderia testar a teoria da relatividade de Albert Einstein e até mesmo as influências gravitacionais da matéria escura na Via Láctea.
"Este trabalho é uma tentativa de resolver um problema muito difícil e desconcertante para os astrônomos e geólogos que estão interessados na história do Sistema Solar, e como isso afetou o sistema da Terra", afirmou Spencer Lucas, paleontólogo no Museu de História Natural e Ciência do Novo México, que não esteve envolvido no estudo. “Esses ciclos astronômicos evoluíram em centenas de milhões de anos, e há uma certa quantidade de caos nessa evolução. Sempre foi um grande desafio tentar entender o que aconteceu com esses ciclos.”
Forma da Terra
As camadas da crosta terrestre representam registros de climas passados que foram influenciados pelos ciclos de Milankovitch – o resultado das interações gravitacionais da Terra com outros planetas que influenciam a trajetória do planeta terrestre ao redor do Sol.
Mudanças na órbita da Terra afetam o clima do planeta e, como Olsen argumentou pela primeira vez em um artigo de 1986 publicado na revista Science, um registro de climas passados poderia, portanto, ser usado para determinar as posições e movimentos de outros planetas.
Muita calma nessa hora
Usando leis da mecânica orbital, os cientistas podem criar modelos matemáticos para estudar a história do universo. Tais métodos, no entanto, são confiáveis até certo ponto, ponderou Olsen.
Nenhuma equação matemática simples descreve os movimentos de mais de dois corpos móveis no espaço com um alto grau de certeza. Com oito planetas, o Sol, e milhões de corpos menores no Sistema Solar, os astrônomos não podem desenvolver soluções analíticas para descrever os movimentos exatos dos planetas no passado.
Em vez disso, os pesquisadores calculam as antigas órbitas dos planetas por vez. De acordo com Jacques Laskar, diretor de pesquisa do Observatório de Paris e co-autor do novo artigo, os erros se acumulam a cada intervalo de tempo de tal forma que as previsões se tornam essencialmente inúteis para além de 60 milhões de anos.
Os primeiros modelos computacionais de Laskar forneceram evidências de que os planetas internos – Mercúrio, Vênus, Terra e Marte – podem se comportar de maneira caótica. Em outras palavras, as posições deles poderiam ser determinadas pelas condições iniciais, tornando-as quase impossíveis de prever baseadas apenas nas posições e direções vistas hoje. “Registros das mudanças climáticas são a chave para descobrir o que o Sistema Solar está realmente fazendo”, comentou Olsen.
NÚCLEO ROCHOSO DOS SEDIMENTOS DO LAGO EXTRAÍDOS DA BACIA DE NEWARK, NO CENTRO DE NOVA JERSEY, ABRANGENDO CERCA DE 40 MIL ANOS (FOTO: PAUL OLSEN)
Eterna companhia
Demonstrar a viabilidade do Geological Orrery tem sido um trabalho de longo prazo. No artigo de 1986, Olsen analisou núcleos cilíndricos do Newark Group – conjunto de rochas formado há cerca de 200 a 227 milhões de anos – no centro de Nova Jersey, nos EUA.
O local contém registros da ascensão e queda de lagos que estão em sincronia com a magnitude das chuvas de monção tropical, que flutuam de acordo com quantidades variáveis de luz solar determinadas pela órbita da Terra e eixo de rotação.
“O que vemos nos núcleos são manifestações físicas da mudança da profundidade da água”, declarou o paleontólogo. "Quando o lago estava no seu ponto mais profundo, talvez com mais de 100 metros de profundidade, foram depositadas lamas pretas laminadas e, quando era muito raso e até seco, foram estabelecidas lamas vermelhas com fissuras de dessecação."
Olsen usou a Análise de Fourier – método para representar formas de onda complexas em componentes senoidais (curva matemática) mais simples – para mostrar que as mudanças cíclicas no clima da Terra presas em rochas coincidem com os ciclos de mecânica celeste de Milankovitch.
Os resultados, contudo, apontaram para algo estranho. "Um dos ciclos não estava ligado diretamente a qualquer coisa conhecida na época em ciclos orbitais", falou Olsen. "Foi há cerca de dois milhões de anos e eu não sabia o que era."
Comparando locais
Na década de 1990, Olsen recebeu uma concessão da Fundação Nacional da Ciência (NSF) dos EUA para desenterrar e analisar quase 68 mil metros pés de núcleos cilindrícos contínuos de sete locais do Newark Group. Ele seus colegas descobriram que o misterioso ciclo era um ciclo orbital de longo período causado pelas interações entre Marte e a Terra.
A descoberta "fornece a primeira evidência geológica do comportamento caótico dos planetas interiores", escreveram Olsen e Dennis Kent, professor de geologia na Universidade Rutgers e co-autor da nova pesquisa, em artigo de 1999 publicado na Royal Society.
Para explorar ainda mais os ciclos nos registro rochosos, os pesquisadores lançaram o projeto "Colorado Plateau Coring Project", em 2013, com outra concessão da NSF. Eles perfuraram um núcleo de rochas de mais de 190 metros de comprimento na Formação Chinle, que fica no Parque Nacional da Floresta Petrificada, nos EUA.
A Formação Chinle contém camadas de cinzas vulcânicas com minerais de zircão (mineral) que podem ser datados de forma radiométrica.
Comparando dados das reversões do campo magnético terrestre das amostras de Chinle e Newark, os cientistas puderam inferir as datas exatas dos ciclos climáticos causados pela gravidade de outros planetas. Análise revelou um ciclo de 405 mil anos de mecânica celestial causado por Júpiter e Vênus, que existe há 200 milhões de anos, exatamente como é hoje.
Newark Group
Neste artigo mais recente, Olsen e sua equipe adicionaram medições usando uma escala de cores estratigráfica para estudar os núcleos. Eles também usaram medições geofísicas (radioatividade natural, densidade de rocha e velocidade sônica), e escanearam os núcleos em busca de dados de fluorescência de raios X – com a intenção de analisar todos os ciclos astronômicos visíveis na formação de Newark. Independentemente de quais medidas foram usadas, as mesmas influências planetárias foram identificadas no grupo rochoso.
Embora o Geological Orrery tenha implicações de pesquisa de longo alcance, a ideia de Olsen foi recebida com ceticismo. Seus modelos tentam explicar um número extraordinário de fatores, a fim de vincular o registro de rochas à influência de outros planetas no clima da Terra.
Divergências
O pesquisador Spencer Lucas chama o projeto de “um castelo de cartas muito complexo que não está apoiado em uma base científica sólida”. Segundo ele, há lacunas na formação de Newark, por isso não é uma cronologia completa do período de 25 milhões de anos que Olsen estipulou.
Olsen e Kent, no entanto, usaram urânio-chumbo em outro estudo e descobriram que o registro geológico na sequência de Newark está completo para o intervalo de tempo relevante.
O registro Chinle também está incompleto, disse Lucas, porque foi depositado por rios e as taxas de sedimentação são “imensamente diferentes” entre duas seções, o que torna difícil usar o Chinle para calibrar de forma confiável as datas nas rochas de Newark.
De acordo com o portal Smithsionan, até Charles Darwin lamentou a incompletude do registro geológico, e os geólogos aceitam que o registro contém lacunas, ou no jargão científico, “inconformidades”. A questão é quanta informação pode ser extraída com segurança de um registro geológico imperfeito.
"Muitos geólogos começam do ponto de vista que é preciso ver tudo antes de entender qualquer coisa", afirmou Olsen. “Meu modus operandi é empurrar o que é útil no registro de rocha e no registro paleontológico, até onde é possível tirar coisas da história que você não pode obter de outra maneira.”
Convergências
"Esses dados nos quais Paul Olsen trabalha há muitos anos são alguns dos melhores já coletados", disse Linda Hinnov, geóloga da Universidade George Mason, na Virgínia, que não esteve envolvida no estudo. Para ela, o próximo desafio é preencher a lacuna entre 50 e 200 milhões de anos atrás.
Atualmente, os registros geológicos e modelos astronômicos foram combinados de 0 a cerca de 50 milhões de anos atrás, bem como entre 200 e 225 milhões de anos atrás. Para ampliar o Geological Orrery, a lacuna entre esses dois períodos "tem que ser preenchida com dados que são pelo menos tão bons quanto os apresentados aqui", comentou Hinnov.
Embora Lucas seja cético em relação a algumas das descobertas, ele concorda que este tipo de trabalho – conectando o registro rochoso aos corpos celestes no céu – vai se tornar crítico para resolver um dos maiores problemas científicos atuais: o que controla o clima da Terra.
"Não entendemos o suficiente sobre a relação entre esses ciclos astronômicos, climas passados e como os ciclos mudaram com o tempo", ele declarou. "Qualquer coisa que contribua para a compreensão do sistema climático da Terra tem o potencial de nos ajudar a entender melhor o clima futuro."
FONTE: REVISTA GALILEU
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