Impressora 3D será lançada em julho para fabricar tecidos cardíacos na Estação Espacial Internacional — é o primeiro passo para imprimir corações em órbita
Pensar em uma fábrica espacial com aparelhos biotecnológicos fabricando dezenas ou centenas de corações humanos na órbita terrestre parece mais um devaneio da trama do próximo blockbuster de ficção científica produzido por Hollywood. Por mais improvável que pareça esse vislumbre futurista, entretanto, ele pode estar mais perto de se concretizar do que imaginamos.
Uma empresa sediada na pequena cidade de Greenville, Indiana, nos Estados Unidos, está prestes a lançar para a Estação Espacial Internacional (ISS) seu primeiro protótipo de uma impressora 3D cujo objetivo é justamente testar e aprimorar as complexas tecnologias necessárias para manufaturar tecidos cardíacos em um complexo científico orbital. Batizado de BioFabrication Facility (BFF), o dispositivo desenvolvido pela Techshot em parceria com a Nasa deve ser lançado em julho a bordo de uma cápsula da SpaceX, na missão CRS-18.
De acordo com Rich Boling, vice-presidente de avanço corporativo da Techshot, o BFF recentemente passou por testes críticos em Huntsville, Alabama, no Centro de Voos Espaciais Marshall, da NASA, e neste momento o dispositivo está em fase final de montagem e preparação antes de ser despachado para o lançamento. As tecnologias por trás da iniciativa vêm sendo desenvolvidas pela empresa há mais de 20 anos.
A primeira placa de cultivo de células da Techshot foi lançada ao espaço em 1998 no ônibus espacial Discovery e operada pelo lendário astronauta John Glenn, primeiro norte-americano a orbitar a Terra, em 1962. Em seu retorno ao espaço, Glenn era senador dos EUA e se tornou a pessoa mais velha a viajar para fora do planeta, com 77 anos. O projeto do BFF é uma extensão de um programa iniciado pela empresa em 2015 para desenvolver vasos sanguíneos artificiais.
No ano seguinte, uma primeira versão da impressora foi testada em uma versão modificada do avião 727 da Boeing operado pela Zero Gravity Corporation. "Nós testamos a habilidade do protótipo de imprimir com células-tronco de humanos adultos em queda livre, onde experienciamos a microgravidade", disse Boling. "Desde o verão de 2016, temos refinado nosso design e construído protótipos cada vez mais complexos."
CIENTISTAS TRABALHAM NA FABRICAÇÃO DE IMPRESSORA 3D (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Mas você deve estar se perguntando: por que seria mais vantajoso cultivar corações em uma estação orbital e não aqui na Terra? O problema é que a produção artificial desses delicados tecidos biológicos acaba não resistindo à implacável gravidade terrestre. Esforços para produzir órgãos complexos em laboratório têm avançado bastante nos últimos anos, mas eles sucumbem diante do próprio peso se não forem estabilizados por um intrincado aparato que sustenta as frágeis estruturas como se fosse um andaime.
A Techshot está convicta de que a fabricação de órgãos vitais é mais eficiente no espaço do que na superfície terrestre. Boling explica que a impressão biológica utilizando apenas células e nutrientes é o melhor cenário para a saúde do tecido, mas isso é simplesmente inviável aqui no solo. "Imprimir com uma biotinta dessas na Terra resultaria apenas em uma massa disforme", afirma.
Para garantir que os corações não desabem perante à gravidade terrestre, os cientistas precisam injetar químicos na mistura que aumentam a viscosidade das camadas impressas. Mas isso acaba comprometendo a movimentação e crescimento das células cardíacas. Só que os órgãos produzidos em órbita acabariam sucumbindo da mesma forma quando reentrassem na atmosfera — é por isso que a Techshot concebeu o ADSEP, um processador que garante a integração e amadurecimento dos tecidos.
Dentro desse biorreator podem ser alojadas até três placas com impressões cardíacas frescas, que devem permanecer ali por várias semanas até estarem fortalecidas e resistentes o bastante para resistir ao retorno à gravidade. Mas há um longo caminho pela frente antes da fabricação de corações no céu. "Imprimir órgãos inteiros provavelmente vai requerer a inclusão da nossas tecnologias de vasos sanguíneos artificiais, que nós vamos produzir na Terra e mandar ao espaço para que o BFF imprima ao redor", explica Boling.
Apesar de ser um primeiro passo, ainda há uma longa jornada entre o lançamento do primeiro protótipo do BFF para a estação espacial e a produção de órgãos no espaço. A Techshot estima que a tecnologia esteja madura o bastante em 2025, mas que outros dez anos sejam necessários para que o processo seja regulamentado. O grande trunfo do conceito é que os órgãos seriam fabricados a partir das células-tronco do próprio paciente à espera do transplante, o que elimina as chances de rejeição.
PROTÓTIPO DA IMPRESSORA PARA A IMPRESSÃO DE ÓRGÃOS (FOTO: DIVULGAÇÃO)
É por isso que a empresa defende que a empreitada seja comercialmente viável. "A partir da perspectiva do custo, nós acreditamos que tecidos manufaturados no espaço a partir das células-tronco do próprio paciente vão ser mais baratos do que diversos transplantes de doadores ao longo da vida, além do uso de drogas anti-rejeição e os efeitos colaterais desses medicamentos quando órgãos de doadores são utilizados", afirma o executivo.
Após testar seus próprios protocolos, a Techshot vai disponibilizar sua plataforma biológica na ISS para que grupos de pesquisa do mundo todo também desenvolvam estudos no BFF. Se o projeto der certo e se mostrar sustentável, promete ser um grande alento às multidões de pacientes à espera de um órgão. Em 2017, cerca de 7,6 mil transplantes de coração foram realizados no mundo — mas milhares de pessoas morrem na fila. Pode ser que, no final das contas, a salvação delas venha do espaço.
https://techshot.com/
FONTE: REVISTA GALILEU
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