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As estrelas mais velozes da Via Láctea podem resolver um mistério de 50 anos


Um remanescente de uma supernova Tipo Ia próxima, que brilhou nos céus da Terra em novembro de 1572. Hoje, os astrônomos usam supernovas Tipo Ia para medir vastas distâncias cosmológicas.

Estrelas que se movem 1.200 km/s sugerem novo mecanismo para explosões estelares

Ken Shen estava disputando uma corrida com o Sol. Eram 3 da manhã do dia 25 de abril, e Shen - um astrônomo da Universidade da Califórnia, em Berkeley - estava sentado à mesa da cozinha de pijama. Naquele exato momento, os cientistas que trabalhavam no projeto da espaçonave Gaia, da Agência Espacial Europeia, divulgaram a segunda parte dos dados da missão. Shen tinha como tarefa vasculhar esses dados e encontrar as estrelas que se movessem mais rapidamente na Via Láctea e, em seguida, verificar suas identidades via observações independentes, em telescópios terrestres. Faltando 30 minutos para que o Sol começasse a atingir a costa oeste, Shen conseguiu encontrar seu primeiro alvo e enviar suas coordenadas para um colaborador do Lick Observatory, perto de São José, Califórnia.

Mas ele não conseguiu voltar para a cama. Nas 24 horas que se seguiram, Shen e seus colegas vasculharam os dados de Gaia sobre diversas estrelas para escolher quais observar com telescópios na África do Sul, nas Ilhas Canárias, no Arizona e na Califórnia. Após uma semana de análise cuidadosa, os pesquisadores estavam certos de que haviam encontrado três das estrelas mais rápidas da Via Láctea. Não que eles estivessem interessados apenas em velocidade: tais astros velozes eram a evidência que Shen procurava para sua nova teoria sobre como certas estrelas explodem. Em 30 de abril, a equipe postou seu resultado no servidor de pré-impressão ArXiv e os transferiu para a revista The Astrophysical Journal para a revisão pré-publicação.

A teoria de Shen diz respeito às supernovas de tipo Ia, explosões estelares tão uniformemente brilhantes que os astrônomos utilizaram como referência para medir a vastidão do cosmos. Seja aqui na Via Láctea, ou em uma galáxia do outro lado do Universo observável, essas explosões cataclísmicas sempre exibem quase exatamente a mesma luminosidade, permitindo cálculos precisos de suas distâncias.

Esse trabalho demonstrou que a expansão do Universo está se acelerando - uma descoberta que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2011 - e ajudou a validar a existência da energia escura. As explosões do tipo Ia também criam e dispersam elementos pesados (incluindo o ferro presente na hemoglobina que corre em nossas veias) e, portanto, desempenham papel crucial nos estudos de evolução galáctica. No entanto, os astrônomos não entendem o processo exato que dá início a essas explosões brilhantes. "É meio complicado", disse Anthony Piro, astrônomo dos Observatórios de Carnegie, que não participou do novo estudo. "As supernovas tipo Ia são fundamentais para diversas áreas da astrofísica."

Os astrônomos continuam convencidos de que as anãs brancas - densas remanescentes - de estrelas semelhantes ao Sol - são as culpadas, do ponto de vista astrofísico, pelas supernovas do Tipo Ia. Mas como esses objetos são estáveis demais para explodir sozinhos, deve haver uma estrela companheira - que pode ser outra anã branca, ou uma estrela como o nosso Sol, ou até mesmo uma estrela gigante - para deslocá-las. Um modelo clássico sugere que algumas explosões do tipo Ia ocorrem quando duas anãs brancas entram em espiral uma na direção da outra e se fundem. Mas por quase uma década, Shen vem aprimorando uma idéia ligeiramente diferente: ele acha que, nesses cenários, as duas anãs brancas nunca chegam a colidir.

Em vez disso, à medida que se aproximam, a gravidade de uma estrela puxa material (especificamente hidrogênio e gás hélio) da outra estrela. O gás atinge sua vizinha como um martelo, provocando uma explosão na superfície da estrela que envia uma onda de choque que segue para o seu interior, gerando uma segunda explosão - a detonação do Tipo Ia - dentro e ao redor do núcleo da estrela.

Essa explosão seria poderosa o suficiente para arremessar a estrela remanescente a uma enorme velocidade, mais de mil quilômetros por segundo. No entanto, por quase uma década, essa ideia foi apenas um modelo. Se Shen pudesse encontrar essas estrelas rápidas, ele poderia conseguir uma prova observacional da sua hipótese e, com ela, uma melhor compreensão desses sinais cósmicos vitais.

Gaia é adequada para descobrir estrelas de alta velocidade e, portanto, fornecer candidatas para Shen investigar. Para criar seu mapa galáctico, a espaçonave rastreia as posições, movimentos e luminosidades de mais de um bilhão de estrelas, fornecendo trajetórias tridimensionais completas para muitas deles. Esse rastreamento preciso, ajuda a definir com que rapidez um determinado objeto está se movendo em relação ao nosso ponto de vista no Sistema Solar.

A partir dos dados de Gaia, a equipe de Shen sinalizou sete anãs brancas hipervelozes como candidatas. Quatro provaram ser estrelas bastante comuns, mais lentas, cujos movimentos provavelmente apareciam de forma imprecisa nos dados. Mas as três restantes eram verdadeiras velocistas. Além disso, elas possuem características bizarras que seriam indicativas do mecanismo de formação proposto por Shen: cada uma é cerca de 10 vezes maior que uma típica anã branca, presumivelmente, porque suas camadas externas são infladas pela energia extra que recebem da explosão do Tipo Ia. As três estrelas também carecem de hidrogênio e hélio, o que seria esperado se houvessem doado esses elementos a uma anã branca companheira, para provocar a detonação. Finalmente, Shen e seus colegas rastrearam a volta no tempo dessas estrelas, e descobriram que pelo menos uma delas parece originar-se de um remanescente fraco de supernova, descoberto há três anos dentro da constelação de Pegasus.

"Esta observação é extremamente interessante", diz Piro. “Acho que isso vai impulsionar muitas linhas de pesquisa realmente interessantes nos próximos anos. É sempre emocionante identificar esse momento produtivo, quando você sabe que muitas pessoas vão mergulhar em pesquisas". Piro diz que as três anãs brancas de hipervelocidade obtidas a partir dos dados de Gaia, aumentam as chances de que o mecanismo proposto por Shen esteja correto - mas observa que provas mais definitivas ainda são necessárias. Uma explosão do Tipo 1a, por exemplo, provavelmente borrifaria a superfície da anã branca sobrevivente com quantidades detectáveis de elementos pesados. Se os astrônomos localizassem tais cinzas estelares nessas anãs brancas, isso daria apoio à hipótese de Shen.

Keith Hawkins, um astrônomo da Universidade de Columbia que estuda estrelas que se movem muito rápido mas não participou da pesquisa, concorda que há mais trabalho a ser feito. O primeiro passo, ele diz, será verificar novamente os dados que apóiam a descoberta da equipe de Shen. "Sempre que se vê um ponto discrepante - no caso, esses objetos se movendo a velocidades incrivelmente altas - é preciso ter muito cuidado com a possível existência de algum erro nos dados", diz ele. Duas das anãs brancas, por exemplo, só pareciam se mover pelo plano do céu, sem nenhum movimento em relação a Terra ou para longe dela - um alinhamento curioso com a linha de visão de Gaia que a maioria dos objetos celestes provavelmente não teria.

No momento, Shen agradece por um exame minucioso dessas estrelas, para ver se suas origens são realmente tão bizarras quanto ele está sugerindo. Ele e sua equipe, diz Shen, estavam entusiasmados com a possibilidade de encontrar qualquer candidata; ele estimara que as chances de sucesso seriam cerca de 25 por cento, e se preocupava com a chance de as anãs brancas com hipervelocidade serem muito escuras para uma detecção.

Mas, como ao longo dos anos as chances crescem de que essas estrelas de hipervelocidade sejam as autênticas anãs brancas de sua hipótese, as implicações seriam de longo alcance - permitindo aos astrônomos entender melhor como algumas supernovas do Tipo Ia explodem, e proporcionando uma melhor base para as medições que sustentam a busca para conhecer a estrutura e a evolução em grande escala do universo.

Shannon Hall

FONTE: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL

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