Por Ryan F. Mandelbaum
Cinco sextos da “coisa” que compõe o universo parece estar faltando, e nós simplesmente ainda não conseguimos encontrá-la. Essa grande parte do universo é chamada de “matéria escura”, e os cientistas estão a procurando com alguns dos maiores e mais caros experimentos do mundo.
De tempos em tempos, esses experimentos voltam de mãos vazias. Recentemente, os cientistas do experimento XENON1T, que usaram literalmente uma tonelada de xenônio líquido super-sensível, não encontraram o sinal que procuravam após uma busca de nove meses.
Nem o Grande Colisor de Hádrons, o maior acelerador de partículas do mundo que fica em Genebra, na Suíça, conseguiu revelar qualquer coisa. Então, você pode se perguntar, o que estamos procurando e por quê? E por que os físicos do mundo estão tão profundamente divididos sobre o que a “matéria escura” poderia ser?
A XENON1T Time Projection Chamber (TPC) após a montagem em uma sala limpa. Foto: XENON1T
Coisas grandes e estranhas
Já no final do século 19, as observações científicas nos diziam que o universo era muito maior do que aparentava. Os cientistas agora consideram o físico suíço Fritz Zwicky como o pai da matéria escura. Zwicky percebeu que as galáxias no superaglomerado de Coma pareciam se mover muito rapidamente. Ele identificou que havia talvez 400 vezes mais massa no aglomerado do que ele conseguia ver, bem acima do esperado, e chamou a coisa perdida de dunkle Materie, ou “matéria escura”.
O trabalho de Vera Rubin e de outros durante as décadas de 1960 e 1970 demonstraram que as próprias galáxias deveriam ser ainda maiores em relação à previsão feita pelas leis conhecidas da gravidade. Coisas com massa têm gravidade, e quanto mais massa elas têm, mais forte a gravidade delas para puxar as coisas. As leis da gravidade preveem que, em sistemas massivos em movimento (como o nosso Sistema Solar ou aglomerados de estrelas), os objetos nas regiões mais distantes devem se mover mais lentamente do que os objetos mais próximos do centro e continuar desacelerando quanto mais longe estiverem.
Mas esses cientistas observaram que as estrelas nas bordas externas das galáxias não diminuem de velocidade — elas orbitam em torno do centro da galáxia próximas da mesma velocidade ou até mais rápido do que as estrelas que estão mais perto do centro. Isso significa que as estrelas estavam experimentando mais gravidade e estavam em uma região com mais massa do que o esperado. Ou as leis da física estavam erradas, ou alguma coisa estranha e sombria estava por ali.
À esquerda: Como os cientistas previram que as “bordas” das galáxias deveriam ser. À direita: Como os cientistas agora acham que essas “bordas” devem ser, girando mais rápido do que o previsto anteriormente, indicando que as “bordas” na verdade não são bordas, mas massa extra oculta — matéria escura.
De fato, em todo o nosso universo, coisas grandes se comportam como se fossem ainda maiores do que parecem. E, às vezes, há algo onde esperamos que não haja nada. No Bullet Cluster, a 3,7 bilhões de anos-luz da Terra, regiões aparentemente vazias ainda têm gravidade suficiente para dobrar a luz que viaja a partir das galáxias por trás dele.
Mas a evidência mais significativa para a matéria escura, como o físico da Universidade de Chicago, Dan Hooper, explicou em uma conferência recente, vem das observações da estrutura em larga escala do próprio universo, que parece assumir algum tipo de estrutura gravitacional por aparentemente nenhuma razão. Portanto, algo – até então indetectável para nós – deve estar segurando tudo isso. Cálculos atuais implicam que existe cerca de cinco vezes mais dessa coisa escura do que a matéria normal.
Houve e continua havendo, muitas tentativas de entender essas estranhas observações. Alguns até pensaram que a matéria escura poderia ser explicada por meio de objetos realmente escuros, como estrelas que não emitem luz (entidades teóricas chamadas Objetos com Halo Compacto e Grande Massa, ou MACHOs na sigla em inglês). Essa ideia já foi refutada.
Porém um candidato favorito para a matéria escura surgiu não da astronomia, mas da física de partículas: Weakly Interacting Massive Particles (partículas maciças que interage fracamente em tradução literal, também conhecidas em inglês pela sigla WIMPs).
No Bullet Cluster, a luz parece se dobrar no que deveria ser um espaço vazio. Os pesquisadores agora acreditam que essas áreas contêm matéria escura.Imagem: Raio X: NASA/CXC/CfA/M. Markevitch et al. ; Mapa de Lensing: NASA/STScI; ESO WFI; Magellan/U.Arizona/D.Clowe et al. Óptico: NASA/STScI; Magellan/U.Arizona/D.Clowe et al.
A hipótese mais aceita é a de que a matéria escura é composta de WIMPs – partículas subatômicas fundamentais que são fracas demais para que as percebamos aqui da nossa Terra de matéria comum, como uma brisa leve demais para derrubar uma casa feita de tijolos.
Desde a virada do milênio, os cientistas acreditavam que essas partículas seriam descobertas a qualquer momento. Mas esse não é mais o caso. Como os WIMPs ainda não foram descobertos, os físicos estão divididos sobre a matéria escura: seria feita de WIMPs ou algo ainda mais estranho?
“Pelo menos 15 anos atrás, quando as pessoas conversavam sobre matéria escura, elas usavam as palavras ‘matéria escura’ e ‘WIMPs’ de forma intercambiável”, disse Hooper ao Gizmodo. “Houve uma mudança gradual, mas significativa… Ninguém mais está fazendo isso. As pessoas agora têm uma ideia global e mais ampla do seria feita a matéria escura”.
O milagre
Com a descoberta do bóson de Higgs em 2012, os físicos de partículas pensaram ter identificado todas as partículas que compõem o universo e todas as forças entre elas, completando o Modelo Padrão. É uma teoria consistente, mas tem algumas lacunas. É como uma caverna que tem a maior parte mapeada, mas que ainda possui algumas áreas misteriosas remanescentes, das quais sopram ventos estranhos e inexplicáveis.
Uma dessas regiões misteriosas contém o potencial para um novo reino de partículas não descobertas – um reino onde há um gêmeo maligno para cada partícula existente. Estas partículas teóricas do mundo espelhado, chamadas “s-partículas”, são mais massivas que o conjunto do modelo padrão. Os físicos se questionam sobre essa “supersimetria” há décadas – ela poderia responder potencialmente a algumas das mais importantes questões pendentes sobre o Modelo Padrão, como por que a gravidade é tão fraca comparada às outras forças, especialmente a “força nuclear fraca” que governa certos comportamentos entre partículas subatômicas.
Apesar de suas origens distintas, a matéria escura e a supersimetria se alinharam nos anos 90. Essa coincidência é chamada de milagre “WIMP” – quando os físicos perceberam que, se existissem partículas supersimétricas, elas poderiam ser os WIMPs que explicam a massa extra atribuída à matéria escura. “Dos muitos candidatos a WIMP, talvez o melhor motivado e certamente o mais teoricamente desenvolvido seja o neutralino, a mais leve s-partícula em muitas teorias supersimétricas”, diz um relatório de 1996. Em outras palavras, as s-partículas dariam ótimos WIMPs.
A busca pelos WIMPs passou por dois caminhos distintos. Uma abordagem usa o Grande Colisor de Hádrons para acertar prótons (partículas subatômicas), na esperança de encontrar alguma anomalia na colisão resultante algum sinal de uma partícula ainda não descoberta que poderia ser a matéria escura. Até o momento, os físicos do LHC não encontraram nenhuma partícula. Mas eles não encerraram a procura e não vão desistir tão cedo.
“A matéria escura é um espaço reservado para algo que ainda não entendemos”.
Vários experimentos adotam uma segunda abordagem. Se cinco sextos do universo são potencialmente feitos de WIMPs, algumas dessas partículas devem estar atingindo a Terra. Do Canadá à Coréia do Sul, esses experimentos estão tentando detectar WIMPs vindos espaço com detectores super-sensíveis enterrados no subsolo em câmaras isoladas para impedir que quaisquer partículas extras, como raios cósmicos, interfiram na configuração.
A ideia é que uma partícula de matéria escura interaja levemente com o material do detector. O experimento mais sensível até agora, XENON1T, está localizado sob uma montanha na Itália e usa uma tonelada de xenônio líquido criogênico como material de detecção. O experimento ainda não encontrou nada em sua busca de nove meses em sua massa atual, ou nos 10 anos de suas iterações anteriores. Ou melhor, encontrou um monte de nada – propriedades que a matéria escura não pode ter, nos dando uma ideia de quais propriedades a matéria escura poderia ter.
É como esboçar uma silhueta sombreando o espaço vazio. Até agora, os cientistas descartaram a ideia do que é conhecido como o “WIMP básico”, ou a ideia mais simples e matematicamente óbvia do que um WIMP poderia ser. Desta forma, eles concordam que o WIMP real é provavelmente muito mais estranho e menos previsível.
Embora os WIMPs ainda não tenham sido descobertos, a teoria não está descartada. A maioria das pessoas no campo de pesquisa do WIMP acha que ele ainda está por aí, esperando para ser descoberto. Mesmo assim, as pessoas estão ficando inquietas.
Onde estão (e não estão) os WIMPs
Este ano, alguns físicos se encontraram no Instituto Kavli de Física Teórica, em Santa Bárbara, Califórnia, e nas Conferências Moriond, na Itália, para discutir o estado da busca da matéria escura. Está ficando claro que muitos estão procurando novos caminhos para resolver o mistério.
“Todos esperávamos e pensávamos que encontraríamos algum sinal nas buscas padrão”, disse James Beacham, pesquisador de pós-doutorado do experimento ATLAS do CERN na Ohio State University ao Gizmodo. “Como continuamos a voltar de mãos abanando, estamos sendo forçados a pensar de formas bem diferentes”.
Por exemplo, talvez haja outra partícula, uma partícula massiva que interaja fortemente, ou SIMP na sigla em inglês, que poderia ser encontrada se os detectores não estivessem tão profundamente enterrados.
Outros se reuniram em torno do áxion, outra partícula subatômica que explicaria simultaneamente a falta de matéria escura e resolveria um problema separado na física de partículas em relação à força que mantém os núcleos atômicos coesos. Outros acham que talvez existam buracos negros primordiais remanescentes do Big Bang que ainda não foram encontrados.
Os físicos do XENON concordam que essas idéias alternativas são importantes.
“Ainda há muito espaço de parâmetro para os WIMPs, mas ao mesmo tempo temos que explorar outras possibilidades também”, disse Laura Baudis ao Gizmodo, física da Universidade de Zurique que trabalha na colaboração XENON.
A contínua falta de detecção levou a um influxo de físicos mais jovens buscando soluções mais exóticas para o problema, conforme nos disse Jonathan Feng, professor de física e astronomia da Universidade da Califórnia em Irvine.
Outros também se perguntam se acabamos de entender algo fundamentalmente errado sobre as leis da física em geral. E se a matéria escura não seria apenas o éter luminífero da nossa geração. Os cientistas já pensaram que, para viajar como uma onda, a luz deveria viajar através de algum meio – o “éter”. Isso foi provado errado pelos experimentos de Albert Michelson e Edward Morley e colocado de lado pela teoria da relatividade geral de Albert Einstein.
Talvez o que chamamos de “matéria escura” possa ser explicado com uma nova teoria que não requer encontrar algum tipo estranho de massa.
“Neste momento, a atitude geral é que a relatividade geral nos foi dada por um Deus e que não pode ser questionada, portanto, a matéria escura deve existir. Eu me preocupo em deificar Einstein demais ”.
Uma dessas teorias é a Dinâmica Newtoniana Modificada, ou MOND. Ela postula que talvez as leis da gravidade de Isaac Newton precisem de um ajuste para explicar o comportamento de coisas extremamente grandes e lentas, como as bordas muito lentamente aceleradas das galáxias, explicou Stacy McGaugh, astrônoma da Case Western Reserve University.
McGaugh disse ao Gizmodo que a matéria escura era “uma fada do dente que chamamos para fazer as coisas funcionarem”. Sempre que uma parte do universo parecia não obedecer às leis da física, os cientistas usavam a matéria escura para explicar essas discrepâncias, para preencher as lacunas. Talvez essas partes do universo não precisem da matéria escura para obedecer às leis da física, afinal, porque elas simplesmente não obedecem às leis como as entendemos em primeiro lugar.
Talvez, pensa McGaugh, a matéria escura represente uma incompletude da lei mais famosa que governa a gravidade: a teoria da relatividade geral. “Neste momento, a atitude geral é que a relatividade geral nos foi dada por um Deus e que não pode ser questionada, portanto, a matéria escura deve existir”, ela disse. “Eu me preocupo em deificar Einstein demais”.
Ou talvez entendamos mal a origem da gravidade em si. Talvez a gravidade realmente surja da matemática da mecânica quântica, a física das menores coisas, da mesma forma que a temperatura emerge do movimento das partículas, disse Erik Verlinde, físico teórico da Universidade de Amsterdã.
Atualmente, pensamos sobre a gravidade no sentido de massa interagindo com o próprio espaço, mas talvez a gravidade seja um resultado do comportamento coletivo das partículas. Então, talvez, a matéria escura seja resultado desse comportamento coletivo, e não da teoria existente da relatividade geral.
“As pessoas dizem que [a matéria escura] tem que ser uma partícula. Para mim, esses argumentos não fazem sentido. Não pensamos nas outras possibilidades do que pode ser”, disse Verlinde ao Gizmodo. “Em certo sentido, a matéria escura é um espaço reservado para algo que ainda não entendemos”.
Nenhuma dessas ideias ainda consegue explicar a evidência mais significativa da matéria escura, a estrutura em grande escala do universo.
A busca continua
Existem muitas razões pelas quais a matéria escura poderia ser algo diferente dos WIMPs. Podemos estar entendendo mal as leis da física; essas leis podem não se aplicar à matéria escura; ou essas leis podem estar erradas ou incompletas. Mas os cientistas já investiram muito tempo e dinheiro na busca da matéria escura do WIMP.
Mesmo com os resultados mais recentes nos quais os cientistas não encontraram nada, ainda há muitas possibilidades diferentes de WIMP. Mas os experimentos atuais e futuros são limitados pelo chão de neutrinos – o ponto no qual os experimentos se tornam tão sensíveis que uma partícula de matéria escura seria indistinguível de outra partícula fracamente interativa que os físicos já observaram, chamada neutrino.
Mas ainda há mais tipos possíveis de WIMPs que não foram descartados antes que os experimentos cheguem ao chão de neutrinos, e a busca deve continuar. “Nós não exploramos toda a região”, disse Elena Aprile, porta-voz da colaboração XENON e Física Experimental de Partículas da Universidade de Columbia. “E é impressionante o que conseguimos fazer. Encontrar nada é muito importante. Você precisa encontrar nada. Você não pode dizer onde estão as partículas até determinar onde as partículas não podem estar”.
A teia cósmica, o maior modelo do nosso universo, formando uma estrutura gravitacional que pode ser unida pela matéria escura. Imagem: Wikimedia
A US Natural Science Foundation planeja financiar experimentos que caçam partículas até o chão de neutrinos. Já decidiu financiar o experimento de caça aos WIMPs Super-CDMS, e também está financiando o ainda por construir LZ, que irá conter 10 toneladas de xenon líquido. O XENON1T vai se transformar no XENON-nT. E talvez um dia, um experimento chamado DARWIN termine o trabalho.
Não tenha medo do desperdício: todos esses experimentos podem medir coisas além da matéria escura, caso um WIMP não seja descoberto. Eles podem se tornar observatórios de supernovas ou realizar outras medições físicas de partículas.
Mesmo em face de uma não-detecção, o espaço continua a estimular o apetite dos cientistas pela busca da partícula de matéria escura. O satélite chinês Dark Matter Particle Explorer e o Espectrômetro Magnético Alpha a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), parecem detectar sinais que podem ser causados por partículas de matéria escura.
Um experimento recente em um receptor de rádio na Austrália detectou um sinal das primeiras estrelas que pareciam ter sido alteradas por alguma partícula de matéria escura do início do universo.
Mesmo assim, os WIMPs estão perdendo poder como a teoria reinante. Quanto mais os físicos ficam sem detecção, mais novas idéias para explicar a matéria escura surgirão.
Nós vamos encontrar os WIMPs? “Não há como dizer”, disse Baudis. Mas os cientistas continuarão praticando ciência. “O que quer que pensemos, a natureza não se importa. De uma forma ou de outra, temos que continuar procurando”.
FONTE: GIZMODO BRASIL
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