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“Falar do pesadelo que era tentar fazer ciência no Brasil me faz mal”


(FOTO: LEONARDO WEN/ EDITORA GLOBO)

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel comparou sua saída do Brasil com a mudança de Harry Potter do quartinho embaixo da escada para uma “Hogwarts de possibilidades”

Enquanto alguns se exibem nas redes sociais com a coloração extravagante do suco de pitaya (#nofilter), a neurocientista Suzana Herculano-Houzel também prepara seus sucos… de cérebro. A receita é simples: esmague um cérebro em detergente e misture até tornar a solução homogênea. Só não beba o líquido. A ideia da técnica criada por ela na Universidade Federal do Rio de Janeiro não é refrescar, mas determinar quantos neurônios existem no órgão rei.

Mesmo sendo relativamente descomplicada, ninguém havia tido essa ideia antes. Aliás, a comunidade científica nem sequer sabia que os humanos carregam aproximadamente 86 bilhões de neurônios no cérebro — 16 bilhões só no córtex cerebral, responsável por tornar o comportamento complexo. “Quando você entende esses aspectos mais básicos, ganha insights sobre as implicações disso para o envelhecimento, doenças e tudo mais”, explica a neurocientista — que é fã de “filmes besteira” e ficções científicas como Minority Report e No Limite do Amanhã.

Séries como Elementary também estão no seu catálogo de favoritas. E, na falta de novos episódios de The West Wing, ela confessa seu vício em Madam Secretary. “Pelo menos, na ficção, a gente tem esse gosto de ver políticos bacanas, pessoas sérias, inteligentes e bem intencionadas fazendo coisas boas no governo. A ficção tem essa função também”, afirma.

Apesar de ter se tornado uma das cientistas mais influentes do país, suas condições de trabalho na UFRJ não condiziam com sua relevância. Um de seus últimos postos de trabalho foi uma escrivaninha que cabia atrás de um fichário vertical, ocupando 1 metro quadrado. Em maio de 2016, a cientista resolveu aceitar uma proposta da Universidade Vanderbilt, na cidade norte-americana de Nashville. Na ocasião, ela comparou sua saída do Brasil com a mudança de Harry Potter do quartinho embaixo da escada para uma “Hogwarts de possibilidades”.

Um ano depois, como vai a vida em hogwarts?

Hogwarts é um barato [risos]. No Brasil, eu era contadora, técnica de laboratório, qualquer coisa que precisasse. Já aqui eu recebo broncas bem-humoradas do pessoal da administração se faço essas coisas. Também é um ambiente encorajador. O objetivo aqui é ajudar todos a fazer o melhor que podem. Notei que uma das minhas fontes de paz é não falar mais dos problemas que enfrentei. Detesto, e vou passar a evitar falar disso nos congressos, com os amigos, porque falar do pesadelo que era tentar fazer ciência no Brasil me faz fisicamente mal. Tenho pena — no melhor dos sentidos — dos colegas brasileiros, porque entendo o que eles passam e sei como a vida deles poderia ser bem diferente.

E em relação ao ambiente físico?

Agora, tenho um laboratório com quatro bancadas, duas salas de microscopia, uma sala para os freezers, outra com micro-ondas e impressoras, além de uma câmara fria. Meu escritório no laboratório é quatro vezes maior do que o que eu tinha. Meu departamento principal fica em outro prédio, onde tenho outro escritório grande e mais uma sala de microscopia. No Brasil, nem sequer sabemos aspirar a isso.

Acha que sua saída ajudou de fato a chamar a atenção para a nossa falta de estrutura?

Acho que sim. Eu poderia ter saído de fininho, mas usei a oportunidade para ajudar meus colegas chamando a atenção para o problema. Fui muito criticada por isso: disseram que queria atenção para mim, que queria acabar com a ciência no Brasil, debocharam dizendo que “fazer ciência no Brasil é para os fortes”. Mas no ano passado, com a crise ainda pior, outros colegas finalmente começaram a falar também, como a [presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência no Brasil] Helena Nader. É importante mostrar que a situação da ciência no país é muito pior do que parece. Só assim podemos virar o jogo e ter uma ciência de verdade daqui a uns dez anos.

No Brasil e nos EUA, os governos não parecem afeitos à ciência, reduzindo os recursos da área. acha que algumas pessoas desperdiçam os 86 bilhões de neurônios que elas têm?

[Risos] Sei que é fácil olhar ao redor e imaginar que a vida sempre foi assim, com remédios, saneamento, aquecimento… Mas isso é fruto de muita ciência e tecnologia. E podemos perder tudo bem rápido se não as cultivarmos por meio de educação e investimentos. Tudo o que conquistamos e apreciamos na vida moderna não se consegue só com 86 bilhões de neurônios, mas com 86 bilhões de neurônios muito bem-educados e uma cultura que passa conhecimento científico e tecnologia adiante.

E qual seria a raiz do problema no Brasil?

Começa com o sistema educacional, que, para mim, foi destruído pelo governo militar e pela corrupção. Um segundo problema é a visão a curto prazo. A ciência não ganha votos. Precisamos de políticos que tenham uma visão ampla do que a ciência conquista a longo prazo, mas estou para ver um político com uma plataforma de investimento em ciência e tecnologia — o que é bem triste. Os países que estão crescendo economicamente, como China, Israel e Coreia do Sul, têm uma política de investimento nessas áreas fenomenal. O que se vê nas sociedades que funcionam — que se tornam independentes não só em termos econômicos como também em relação ao conhecimento — é que elas têm a própria geração de conhecimento, a própria tecnologia. E o Brasil está bem longe disso.

Acha que o Brasil pensa pequeno?

Esse é outro aspecto do problema. O que vi acontecer repetidamente no CNPq foi a pulverização de recursos. Eles pegam o pouco dinheiro disponível e, em vez de distribuir para poucos grupos, distribuem migalhas para vários grupos. Em vez de financiar cinco decentemente, financiam 15 insuficientemente. Entendo o sentimento, mas não se faz ciência de excelência sem recursos de excelência.

Retornando aos seus primeiros estudos, De onde veio o insight para a técnica de contar o número de neurônios?

Quando descobri que, assim como o público carioca acreditava no mito de que só usamos 10% do cérebro, neurocientistas também trabalhavam com seu próprio mito: que o cérebro humano possui 100 bilhões de neurônios e dez vezes mais células gliais. Fui revirar a literatura e descobri que esses números eram fictícios, mas eram redondinhos — e, segundo eles, neurônios seriam cerca de 10% das células do cérebro humano. Se a glia não fizer grandes coisas (o que também não é verdade), então talvez a gente usasse só 10%... das células do cérebro.

Esse mito dos 10% persiste até em filmes, como Lucy, com a Scarlett Johanssen.

Cara, e o pior é que, nesse filme, é o Morgan Freeman falando. Como é que você não vai acreditar nele? Entendo o atrativo de dizer que o cérebro tem dez vezes mais potencial. Mas isso é mito: usamos 100% do cérebro, apenas de maneiras diferentes ao longo do dia e da vida. O problema é que o público, os jornalistas e os cientistas gostam de frases de efeito e de números redondos — mas o que eu descobri é que os números não existiam. Até os cientistas repetiam o que ouviam sem procurar a referência original, uma versão científica do telefone sem fio. Foi aí que me dei conta de que a gente não sabia algo tão básico como de quantos neurônios é formado um cérebro.

E como chegou no suco de cérebro?

Descobri que, nos anos 1970, havia um ou dois grupos interessados em fazer essa contagem. Mas a ideia deles era extrair o DNA do cérebro todo e dividir pela quantidade de DNA em cada célula. Lembro de ler isso e pensar: “Nããão, não conta DNA, conta núcleos!”. Lembrava de ver minha orientadora na iniciação científica, na UFRJ, colher núcleos de cultura de células, então sabia que era possível isolar os núcleos das células. Aí comecei a brincar com a ideia de transformar cérebros em sopa, coletar os núcleos e contá-los diretamente. Com detergente, você liquefaz as membranas das células e deixa os núcleos livres. Então, agita o líquido para deixar os núcleos em suspensão. Daí você pega algumas amostras pequenas e no microscópio determina em apenas 10 minutos quantos núcleos há por mililitro de suspensão. Sabendo do volume total da sopa, que você estipulou no começo, você faz uma regra de três e chega ao número de células que tinha na estrutura que foi dissolvida.

Falando de sua pesquisa recente, como essa mudança toda refletiu no seu trabalho?

Não preciso mais me restringir a questões de orçamento. Ter que se virar com pouco pode ser um estímulo à criatividade, mas acaba sendo contraproducente. No Brasil, tive sorte de encontrar uma questão pouco explorada, e barata, de quantas células cérebros diferentes são feitos, quais são as regras que limitam ou permitem diversidade e como o nosso cérebro se compara com outros (resposta: não somos ponto fora da curva, mas por termos o maior cérebro entre primatas, possuímos o maior número de neurônios no córtex cerebral, mesmo comparado com cérebros maiores, como o do elefante).

Agora, podemos expandir o trabalho para outras questões igualmente básicas, mas mais dispendiosas. Por exemplo: como a conectividade do cérebro se compara entre espécies? Quanta energia custa um cérebro, e como isso depende do número de neurônios? Essa é uma relação extremamente importante, não só em termos básicos de entender princípios de construção do cérebro mas também de entender suas consequências para a viabilidade de espécies diferentes, para o envelhecimento normal e em caso de doenças.

E como exatamente a sua pesquisa pode ajudar a responder essas questões?

Se os neurônios custam tanta energia quanto calculamos, e se, conforme a gente envelhece, o metabolismo vai ficando deficiente, então é de se esperar que o cérebro seja o primeiro órgão a pagar as consequências. Estudar o metabolismo do cérebro e essa relação com o número de neurônios é uma dessas áreas básicas da neurociência, em que tem muita gente fazendo trabalhos extremamente complexos e bacanas, mas não se conhecem os fundamentos, os princípios. É a pesquisa mais básica que informa aplicações práticas que hoje não se podem imaginar.

E qual é a relação desse entendimento elementar com as doenças do envelhecimento?

Quando você entende esses aspectos mais básicos, ganha alguns insights. Há uma tradição grande na literatura, sobretudo do meio clínico, que é a de considerar que existem várias doenças que são exclusivas dos humanos, como o Alzheimer e a esquizofrenia. Muito do que se considerava excepcional no ser humano tinha a ver com a ideia de que nosso cérebro é grande demais para o tamanho do corpo e que leva tempo demais para amadurecer.

Quando você entende que não é bem assim, que nosso cérebro não tem nada de extraordinário, que ele é só um cérebro de primata aumentado, você é forçado a considerar outras possibilidades. Por exemplo, talvez nosso cérebro leve tanto tempo para amadurecer porque tem um número enorme de neurônios e, quanto mais neurônios, mais tempo vai levar para estabelecer as conexões. E há a possibilidade de que vários aspectos das doenças venham do fato de você ter um grande número de neurônios e viver tempo suficiente para os problemas aparecerem. Então, dá para pensar nas doenças e nos problemas do envelhecimento como consequência da quantidade de energia que os neurônios consomem.

Você trabalhou com o físico Bruno Mota, que é doutor em cosmologia, uma área que, pode-se dizer, mostra a insignificância do ser humano no Universo. Sua outra pesquisa também revelou que o cérebro humano não tem nada de excepcional. A ideia é nos deixar deprimidos?

[Risos] Uma coisa é reconhecer que a gente não é extraordinário — e ainda assim temos a vantagem de possuir um número grande de neurônios no córtex, somos capazes de feitos cognitivos dos quais aparentemente nenhuma outra espécie é. Mesmo sendo apenas mais um primata, somos um primata com tantos neurônios que nos tornamos capazes de fazer ciência e tecnologia, olha as transformações que podemos realizar. Então, não acho nada deprimente. Acho muito legal reconhecer que chegamos a esse ponto sem escapar das regras da biologia e da física.

Como conhecedora da estrutura cerebral, acredita que a inteligência artificial pode ultrapassar a biológica algum dia?

Acho natural que a gente comece a pensar nisso. Mas acho pouco provável criar artificialmente esse nível de complexidade mental que temos. Isso por uma razão simples: muito do que fazemos é produto da auto-organização do cérebro. Não há informação biológica que especifique, no começo, exatamente quantos e quais vão ser os neurônios em um cérebro, quantas sinapses, entre quais neurônios.

Você começa como um bloco de mármore não esculpido. Ele se transforma em alguma coisa que produz sentido à medida que interage com o mundo. Nosso cérebro é um processo em andamento. A não ser que a inteligência artificial incorpore isso, ela não tem como se aproximar da realidade. Agora, note: quando ela incorporar, deixa de ser artificial e passa a ser biológica. Ou seja, a melhor inteligência artificial ainda é um sistema biológico.

A questão é que os seres humanos se tornariam uma espécie de Deus…

Sim, mas essa é a história da nossa tecnologia. Sempre que aparece uma tecnologia nova dizem isso. E é muito natural. Mas a gente vê que nada disso nunca aconteceu. O interessante de tudo isso é que até a nossa relação com a tecnologia é auto-organizada, vai mudando com o passar do tempo, vai evoluindo.

FONTE: REVISTA GALILEU

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