Por: Ryan F. Mandelbaum
Parece pura ficção científica. O astronauta da NASA Scott Kelly vai para o espaço por quase um ano, volta e, de repente, se transforma em um mutante com DNA diferente de seu irmão gêmeo. Como escreveu a Newsweek, seu DNA “mudou no espaço”.
Exceto que não é isso o que aconteceu.
A saga começou na semana passada com uma matéria da Newsweek cobrindo um comunicado de imprensa da NASA de janeiro com o seguinte parágrafo:
Outra descoberta interessante dizia respeito ao que alguns chamam de “gene espacial”, que foi sugerido em 2017. Os pesquisadores agora sabem que 93% dos genes de Scott voltaram ao normal depois do pouso. Entretanto, os 7% restantes apontam para possíveis mudanças a longo prazo nos genes relacionados a seu sistema imunológico, à reparação de DNA, às redes de formação óssea, hipoxia e hipercapnia.
O próprio Kelly tuitou a matéria com a seguinte piada: “Acabo de descobrir sobre isso nesse artigo. Isso pode ser uma boa notícia! Não preciso mais ligar para @ShuttleCDRKelly, meu irmão gêmeo idêntico”, em referência a seu irmão gêmeo, o astronauta Mark Kelly. A CNN foi de carona na história, e agora veículos de notícia de todos os Estados Unidos desde então afirmaram que aqueles 7% do DNA de Kelly mudaram no espaço.
Exceto que, se os 7% do DNA de Scott Kelly tivessem mesmo mudado, ele seria uma espécie completamente diferente. Humanos e chimpanzés, por exemplo, compartilham 96% do mesmo DNA, uma diferença de apenas 4%.
O que realmente aconteceu é que os 7% da maneira como o DNA de Kelly é expresso mudaram depois da viagem espacial, conforme Daniela Bezdan, diretora de pesquisa do Laboratório Mason de Genômica Integrativa, na Weill Cornell Medicine, explicou em um tuíte e, posteriormente, confirmou em um email ao Gizmodo.
Isso é confirmado também em um comunicado de Chris Mason, que escreve que, embora houvesse algumas mutações no DNA de ambos os irmãos depois do voo espacial, “ainda que 93% da expressão dos genes tivessem retornado ao normal depois do voo, um subconjunto de centenas de ‘genes espaciais’ ainda estavam rompidos depois de voltar à Terra”, ênfase minha.
Esse tipo de mudança é o que é conhecido como epigenética, e é algo muito diferente.
O espaço pode afetar a metilação, por exemplo — o ato pelo qual a química sacode pra lá e pra cá sequências de DNA, tornando-as legíveis ou ilegíveis pelo resto da célula. É como se o DNA fosse uma enciclopédia, com algumas sentenças cobertas por fita preta, tornando-as ilegíveis. A viagem para o espaço pode ter trocado algumas das fitas de lugar, mas as palavras são exatamente as mesmas.
Nenhum dos investigadores principais do estudo dos gêmeos da NASA comentaram sobre a ciência por trás desse estudo, apontando apenas que planejam se encontrar mais tarde para decidir a melhor estratégia para esclarecer as coisas. Bezdan disse ao Gizmodo que acreditava que Mason participaria de alguma programa da CNN na noite desta quinta (15) para discutir os resultados preliminares. Os estudos relacionados serão publicados mais tarde neste ano.
Dois dos pesquisadores associados com o projeto disseram ao Gizmodo que não eram qualificados para falar sobre o assunto, mas ficaram desapontados pela desinformação desenfreada. Mathias Basner, professor de sono e cronobiologia da Universidade da Pensilvânia, disse ao Gizmodo que algumas das notícias estavam simplesmente erradas. Emmanuel Mignot, professor de medicina do sono de Stanford, contou ao Gizmodo que a cobertura era “muito triste”.
Portanto, o DNA de Scott Kelly é quase que completamente o mesmo. Mas a maneira como ele é expresso pode estar diferente.
A NASA nos enviou o seguinte comunicado:
Mark e Scott Kelly são gêmeos idênticos; o DNA de Scott não mudou fundamentalmente. O que os pesquisadores observaram foram mudanças na expressão do gene, que é como o seu corpo reage ao seu ambiente. Isso provavelmente está dentro do alcance para humanos sob stress, como por exemplo ao escalar montanhas ou mergulhar no mar.
A mudança se relacionava apenas aos 7% da expressão genética que mudaram durante o voo espacial e que não haviam voltado ao estado pré-voo depois de seis meses na Terra. Essa mudança de expressão genética é bem mínima. Estamos no começo de nossa compreensão de como o voo espacial afeta o corpo humano a nível molecular. A NASA e outros pesquisadores colaborando nesses estudos esperam anunciar resultados mais amplos sobre os estudos com os gêmeos no verão deste ano (no hemisfério norte).
FONTE: GIZMODO BRASIL
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