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Déjà vu all over again: ESO decide suspender participação brasileira


Em reunião no dia 7 de março, o Conselho do ESO decidiu suspender a participação brasileira. (Crédito: ESO)

Por Salvador Nogueira

Foram ao todo quase oito anos de enrolação, conversa fiada e calotes, mas finalmente o ESO (Observatório Europeu do Sul) decidiu mostrar a porta da rua ao Brasil. Final melancólico e típico do que acontece com grandes projetos internacionais aos quais nosso país se associa e depois não cumpre o que promete.

O anúncio foi feito nesta segunda-feira (12) pela organização internacional — detentora da maior infra-estrutura para pesquisa astronômica no mundo — com a fineza que lhe cabe. O título da nota é apenas “Esclarecimento do envolvimento do Brasil”.

O acordo original de adesão entre Brasil e ESO foi assinado nos últimos dias de 2010, pelo então ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Sérgio Rezende. Ele previa a entrada do país na organização internacional como membro pleno, a um custo de 270 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão em dinheiro local) parcelados anualmente até o ano de 2021. Parte da negociação previa um desconto para os dois primeiros anos.

Só que levou cinco até que a adesão tramitasse pelo Congresso Nacional, o que se concluiu em maio de 2015 — mais como um desafio à então presidente Dilma Rousseff, já atolada com pautas-bomba e uma economia em frangalhos. Claro que ela não deu a canetada final para fazer valer o acordo internacional. Tampouco o presidente Michel Temer, após herdar a caneta.

Enquanto isso, ao longo desses oito longos anos, o ESO cumpriu fidedignamente sua parte no combinado, mesmo sem a gente pagar nada. Desde 2011, os astrônomos brasileiros têm tido acesso às instalações da organização para realizar pesquisa e empresas brasileiras ganharam o direito de disputar licitações para participar da construção do E-ELT, o telescópio de próxima geração que o consórcio internacional está construindo no Chile.

As conversas de bastidores entre astrônomos brasileiros e as lideranças europeias eram constrangedoras. “Agora está enrolado por causa do carnaval.” “Puxa, este é ano de eleição, difícil.” “É… tá chegando a Copa do Mundo. O país para.” “Fim de ano é complicado, ninguém fica em Brasília.” “Eita, a crise econômica está deixando o governo sem opções.” “Sabe como é, estamos no meio de um impeachment.” E por aí vai. A paciência do ESO finalmente acabou.

“Indicando que a finalização do Acordo de Adesão provavelmente não acontecerá no futuro próximo, o Conselho do ESO decidiu suspender o processo até que o Brasil esteja em posição de completar a execução do Acordo de Adesão, possivelmente por meio de uma renegociação. Com o apoio unânime de todos os seus Estados Membros, o ESO permanecerá aberto a receber o Brasil a qualquer momento. Enquanto isso, os arranjos de ínterim serão suspensos a partir de 1º de abril de 2018.”

A data é mais que propícia para a suspensão, uma vez que a palavra empenhada do Brasil em acordos internacionais vale menos que uma nota de três reais.

Tecnicamente, o ESO não nos expulsou — apenas suspendeu nossa participação até que paremos com a palhaçada. Mas, para bom entendedor, meia, certo? Estamos oficialmente fora do consórcio, pelo menos até voltarmos à mesa e falarmos sério — provavelmente com um cheque na mão. O que vai acontecer exatamente nunca.

A entrada do Brasil no ESO caminha para terminar da mesma maneira que a participação nacional na Estação Espacial Internacional. Repare na semelhança do roteiro. Em 1997, o Brasil assina participação na ISS. Nasa cumpre de imediato suas obrigações e passa a treinar, em 1998, o astronauta brasileiro, enquanto aguarda a produção dos seis componentes para o complexo orbital designados ao Brasil. Seguem-se anos de enrolação e conversa mole. Em 2005, o governo brasileiro decide pagar aos russos para levarem seu astronauta à estação espacial, sem no entanto cumprir sua parte com a Nasa, mesmo depois de sucessivas renegociações e reduções de escopo da participação nacional. Em 2007, a agência espacial dos EUA perde a paciência e repassa as obrigações do Brasil à indústria americana. A exemplo do que aconteceu agora com o ESO, nunca houve cancelamento formal do acordo entre Brasil e EUA, assinado pelos presidentes de cá e de lá. Apenas o comunicado ao Brasil de que “não precisa mais” e o sumiço da bandeira brasileira na ISS. Pode esperar o sumiço da bandeira brasileira do site do ESO lá para 1º de abril.

É constrangedor. Como brasileiro, sinto-me envergonhado. E volto a repetir algo que já falei antes: não se trata de avaliar o custo-benefício de tais acordos, seja o da estação, seja o do ESO. Essa é uma discussão que precisa acontecer antes de qualquer acerto internacional. O real problema é que quando um presidente da República ou um ministro de Estado assina um acordo, é a palavra do país que está empenhada ali. A nossa palavra, por meio de nossos representantes legalmente constituídos. Mas a palavra do governo brasileiro — anteontem, ontem, hoje e provavelmente amanhã também — vale tanto quanto uma promessa do Zé Carioca.

Se algum país quiser minha opinião sobre como é fazer negócios com o Brasil, minha resposta honesta é: “Nem tente.” E isso é muito triste e embaraçoso para todos os brasileiros que sonham em construir um país sério, próspero e justo, independentemente de quem é o ESO ou a ISS da vez.

FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br

Comentários

  1. Ótimas colocações. Pessoas sem caráter, não só os governantes mas grande parte da população brasileira. Enquanto as pessoas se preocuparem apenas com seus próprios interesses, este país continuará externando sua incompetência e mediocridade. Sem existir preocupação em se auto educar e aprender a viver honestamente, não existe futuro viável para este território, não existe viabilidade para desenvolvimento moral, científico e tecnológico. Que exemplo de pessoa existe hoje em nosso país em que possamos nos nortear? Muito triste constatar que a resposta a esta pergunta não é vazia.

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  2. É o preço do atraso e da indolência, traços culturais do brasileiro, de leste a oeste, de norte a sul, do togado, letrado e PHD, ao catador de latinhas. Todos iguais e unidos em prol do atraso, da "farinha pouca, meu pirão primeiro", e em função de uma sociedade selvagem.
    Se me perguntassem, eu também diria, nem tentem.

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