ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL (EEI) (FOTO: PIXABAY/WIKILIMAGES/CREATIVE COMMONS)
Pesquisadores do Mackenzie vão colaborar com instituto russo na construção de um experimento para monitorar a atividade do Sol na Estação Espacial Internacional
Durante os dias aqui na superfície da Terra, a visão do Sol como uma pequena e distante esfera de fogo ardendo no céu costuma transmitir uma visão enganosa. Podemos pensar que os fenômenos e processos que ocorrem no interior de nossa estrela-mãe pouco ou nada significam para as nossas vidas cotidianas. Não poderíamos estar mais enganados.
Entender melhor as nuances da atividade solar e desvendar como ela interfere em nosso planeta é o cerne dos estudos sobre o clima espacial, um fascinante campo multidisciplinar que agrega principalmente a física solar, geofísica e as ciências climáticas. "A importância de entendê-lo certamente será incrementada nos anos a vir, muito setores econômicos já estão e estarão ainda mais interessados nessas pesquisas", afirma Jean-Pierre Raulin, coordenador do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM).
No início de fevereiro, o campus da Universidade Presbiteriana Mackenzie, localizado no bairro de Higienópolis em São Paulo (SP), recebeu a ilustre visita do professor
Vladimir Makhmutov, chefe do departamento de Física Solar e Raios Cósmicos do Instituto de Física Lebedev da Academia Russa de Ciências (LPI RAS). "É bom lembrar que o LPI é um centro de pesquisa que teve sete indicações ao prêmio Nobel, um grupo que tem uma experiência muito boa na construção de instrumentos para satélites", destaca Raulin.
O objetivo dessa palestra foi relembrar colaborações já realizadas entre cientistas brasileiros e russos na área, mas sobretudo definir os termos da participação em um novo e importante projeto: o Sun-Terahertz, radiotelescópio de alta precisão que será instalado no módulo russo da Estação Espacial Internacional (EEI) para realizar um monitoramento detalhado da atividade solar. Vai atuar em oito frequências e contemplar uma ampla faixa do espectro das emissões de rádio do Sol, abrangendo entre 0,2 e 15 terahertz (THz).
Em 2016, o CRAAM fez um experimento parecido com um instrumento que voou em um balão estratosférico da Nasa lançado na Antártida. Chamado de Solar-T, foi desenvolvido em parceria entre pesquisadores do Mackenzie, um grupo da Unicamp e empresas de Jacareí. A grande diferença era que trabalhava com apenas duas frequências: 3 e 7 THz.
ATIVIDADE SOLAR (FOTO: WIKIMEDIA COMMONS )
Raulin explica que as observações do Sun-Terahertz na parte mais baixa da banda, entre 0,2 e 0,4 THz, coincidem com a maioria das medições feitas em solo — o que permitirá validar estudos feitos no espaço com dados coletados na superfície. O radioastrônomo afirma que seu grupo já está desenvolvendo um novo instrumento de solo para cobrir também a parte mais alta do espectro, que chega a 15 THz.
"A grande vantagem de ter oito frequências, comparado às duas que tinha o SOLAR-T, é poder descrever com o mesmo instrumento essa faixa tão ampla do espectro", diz o pesquisador. As frequências mais altas abrem portas para investigar uma região especial. "Elas correspondem a uma altura de 500 quilômetros na atmosfera do Sol, próxima de onde temos a mínima temperatura: portanto é uma região extremamente importante para modelos de atmosfera e atividade solar."
A colaboração entre o CRAAM e o LPI já tem quase 25 anos e, de acordo com Raulin, gerou frutos importantes, não só para o centro que ele coordena, como também para a ciência brasileira. "Diria que o ponto mais importante foi a formação de recursos humanos, que permitiu dinamizar um pouco a pesquisa de raios cósmicos no Brasil", diz. Pesquisadores brasileiros e russos instalaram na Argentina um detector de partículas carregadas em 2006.
Mais recentemente, implantaram também sensores de raios X, raios gama e de neutrinos, que servem para estudos energéticos solares, bem como atmosféricos. Essa capacitação foi o início de outras parcerias importantes do CRAAM, como com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) e até com a Nasa. Raulin afirma que, no contexto do Sun-Terahertz, seu grupo ficará responsável pela aquisição e teste de certos sensores, além da fabricação de alguns sistemas mecânicos.
O lançamento para a EEI deve ocorrer entre 2022 e 2023, já que as agências espaciais envolvidas no consórcio ainda não definiram o futuro da estação orbital a partir de 2024. Entre os setores que devem se beneficiar dos estudos do clima espacial, o radioastrônomo cita diversos exemplos. Alguns são inusitados, como o setor financeiro: transações econômicas hoje precisam ser referenciadas com precisão temporal extrema, que depende da propagação de sinais de rádio na ionosfera, bastante afetada pela atividade do Sol.
Interferências solares na precisão do sinal de GPS podem atrapalhar diversas atividades, como os transportes. Com o advento dos carros sem motorista, a situação deve se tornar ainda mais crítica. Para a aviação civil, rotas que cruzam os polos cortam caminho e economizam dinheiro, mas ali a incidência de partículas cósmicas é muito maior.
Telecomunicações, o setor agrícola, plataformas de petróleo, viagens espaciais e os militares, todos já são e serão cada vez mais dependentes desses estudos. Com a participação brasileira nas investigações conduzidas pelo Sun-Terahertz, nossos pesquisadores devem colaborar ainda mais para aprofundar o conhecimento científico sobre o clima espacial — e sobre o comportamento do Sol, ainda envolto em mistério.
FONTE: REVISTA GALILEU
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