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Origem da vida: se, no início, tudo era RNA, como ele se reproduzia?


Cientistas descobrem um jeito de fazer aglomerados de moléculas de RNA (os ribossomos) criarem cópias de si mesmos – e esse pode ter sido um dos primeiros passos da vida na Terra (cemagraphics/iStock)

Por Bruno Vaiano

Você está vivo. Parabéns. É um fato digno de nota. Não só porque você foi um espermatozoide vitorioso em meio aos incontáveis outros que tentaram, sem sucesso, alcançar o óvulo. Mas porque o próprio fato de que a vida surgiu na Terra é ridiculamente improvável.

Os bloquinhos essenciais da vida, as proteínas, são imensas cadeias de bloquinhos menores, compostos químicos chamados aminoácidos (há, ao todo, 22 deles, dos quais 20 bastam para a maior parte dos seres vivos). Uma proteína razoavelmente longa, como o colágeno, contém 1055 aminoácidos. Eles precisam aparecer em uma ordem exata. Qualquer erro na sequência é fatal.

Qual é a chance de uma proteína complexa desse jeito se formar espontaneamente na natureza? Para todos os efeitos, zero. São 1055 posições, cada uma com 20 possíveis ocupantes. A chance de você ganhar três vezes seguidas na Mega-Sena da Virada é bem, bem maior. Mas é óbvio que nem o colágeno nem as outras milhares de proteínas necessárias para seu corpo funcionar são produzidos do nada, em um golpe de sorte. Os seres vivos vêm de fábrica com um manual de instruções, chamado DNA, que contém o passo a passo para produzir tudo que você precisa.

“Legal”, você dirá, “então, quando surgiu a vida, primeiro apareceu o DNA, e o resto veio por tabela?” Bem, não. Acontece que o DNA guarda informação e só. Ele é péssimo em fazer todo o resto. É só um pen drive. O que torna tudo possível é o que vem no meio: RNA. O RNA, você deve se lembrar de seus tempos de escola, é a molécula que coleta informações presentes no DNA e as transforma em proteínas. É o elo entre a entidade que guarda o código da vida e a que de fato põe a vida para funcionar.

Um dos critérios para definir uma entidade viva é que ela seja capaz de se reproduzir. De criar cópias de si mesma. O que faz uma pedra pertencer ao reino das coisas minerais é que a dita cuja não pode, em hipótese alguma, ter filhotes. O momento em que a vida surgiu na Terra, há pouco mais de 4 bilhões de anos, foi o momento em que, pela primeira vez, uma molécula conseguiu criar uma cópia de si própria.

O problema é que nem o DNA nem as proteínas são bons nessa coisa de espalhar cópias por aí. Um contém informação, mas não age. O outro age, mas não contém informação. O RNA, por outro lado, faz um pouco de cada coisa. Ele tem bases nitrogenadas que armazenam dados (C, G, A e U), mas também é capaz de se enrolar de forma parecida com uma enzima (ou seja, uma proteína) – os famosos ribossomos.

Por causa dessas e outras, a hipótese de que a vida na Terra tenha começado com RNA é popular – tem até um artigo na Wikipedia. Mas não é perfeita: quando cientistas tentam fazer uma molécula de RNA se reproduzir em laboratório, tropeçam em um empecilho. De maneira bem simplificada, os ribossomos só conseguem criar cópias de moléculas de RNA retas. Se elas estivessem dobradas, não dá. Acontece que um ribossomo é justamente RNA dobrado. Em outras palavras, não dava para o ribossomo se reproduzir. Ele não conseguia fazer uma cópia de si próprio.

Agora, um passo promissor foi dado. Em um artigo científico publicado, pesquisadores do laboratório de biologia molecular MRC, no Reino Unido, revelaram um jeito de fazer um RNA já dobrado, em forma de enzima, criar cópias de si próprio. O truque foi fazer o RNA sintetizar novas moléculas copiando três bases nitrogenadas de cada vez, em vez de uma só (“AUG” em vez de “A”, “U” e “G”, um de cada vez). Como três bases são mais estáveis que uma só, o processo corre sem percalços.

Isso não ocorre na natureza hoje em dia, mas nada garante que não tenha ocorrido há 4 bilhões de anos. Apesar dos resultados promissores, ainda é preciso calma: embora esse processo seja um forte candidato a explicar o mundo RNA, o modelo precisa ser aperfeiçoado.

“Nosso ribossomo ainda precisa de muita ajuda para se replicar”, explicou em comunicado Philipp Holliger, líder da pesquisa. “Além disso, o sistema é puro. O próximo passo é integrá-lo a um substrato mais complexo, que imite a sopa primordial [as condições químicas da Terra no começo de sua existência]. Provavelmente o ambiente era rico do ponto de vista químico, contendo lipídios e peptídeos simples que poderiam ter interagido com o RNA.”

Ainda há um longo caminho pela frente se quisermos explicar a origem da vida. Mas a resposta, ao que tudo indica, mora na molécula que mais te ferrou nas provas do ensino médio. Viva o RNA.

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FONTE: REVISTA SUPER INTERESSANTE

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