Salvador Nogueira
Em 1997, a velha espaçonave Galileo fez um sobrevoo rasante de Europa, passando a meros 206 km da superfície dessa fascinante lua gelada de Júpiter. Agora, novas evidências sugerem que a sonda cruzou uma pluma de água ejetada de dentro da lua por uma fissura que ligava o oceano profundo à crosta de gelo. É mais uma linha independente de investigação a sugerir que Europa tem plumas, o que deixa os cientistas cada vez mais ouriçados.
Na prática, se esse for mesmo o caso, isso significa que uma futura espaçonave que queira procurar evidências de habitabilidade e mesmo vida no oceano europano não precisaria nem pousar na lua, mas meramente analisar uma amostra da água que é ejetada para o espaço.
O novo achado, liderado por Xianzhe Jia, da Universidade de Michigan, foi publicado online no periódico científico Nature Astronomy nesta segunda-feira (14). O trabalho corrobora detecções anteriores feitas remotamente com o Telescópio Espacial Hubble.
Agora, a pergunta legítima que todo mundo pode fazer é: como diabos só foram descobrir agora algo que a defunta Galileo (destruída após mergulhar no interior de Júpiter em 2003) teria detectado 20 anos atrás?
Ocorre que os dados que indicam a presença da pluma não eram nada óbvios — nada como uma foto mostrando uma cortina de partículas ejetadas para o espaço, como a espaçonave Cassini conseguiu tirar ao sobrevoar Encélado, uma pequenina lua de Saturno. Em vez disso, o que a Galileo conseguiu foram dados de campo magnético e plasma durante um sobrevoo que a colocou a pouco mais de 200 km da superfície de Europa, em 16 de dezembro de 1997.
Na época, os dados foram classificados apenas como “esquisitos”. A chave para decifrá-los foi a pista dada posteriormente pelo Hubble. Por duas vezes, em 2012 e 2016, o venerável telescópio espacial detectou um sinal que poderia ser de plumas de água emanando de Europa. Era uma detecção duvidosa, dados a distância enorme até Júpiter e a pequenez de Europa, um pouco menor que a nossa Lua. Mas o resultado permitiu um cálculo interessante. Se as duas observações fossem mesmo de plumas, as partículas ejetadas deveriam atingir uma altitude de até uns 400 km da superfície de Europa.
Coube a Xianzhe Jia e seus colegas formular então a pergunta crucial: o que aconteceria ao campo magnético e ao plasma nas imediações de Europa se houvesse uma pluma de até uns 400 km bem no lugar por onde a Galileo passou em 1997?
A modelagem teórica então produziu um gráfico muito parecido com as medições feitas pela sonda na época, tirando delas o rótulo de “esquisitas” para colocar o mais interessante “parece uma pluma”.
Como se não bastasse, eles refizeram o trajeto da Galileo em seu sobrevoo e descobriram que ela passou bem perto de uma região na superfície da lua que é estranhamente mais quente e de onde parece ter emanado uma das plumas do Hubble — uma evidência adicional de que, de algum modo, o calor interno da lua, responsável por manter o oceano em estado líquido em seu interior, “vaza” por ali.
“Esses resultados fornecem fortes evidências independentes da presença de plumas em Europa”, escrevem os cientistas no resumo de seu artigo na Nature Astronomy.
GOL DA NASA
Para a agência espacial americana, o resultado é extremamente importante. Eles estão neste momento preparando uma nova espaçonave para estudar Europa de forma dedicada, caracterizar seu oceano e identificar se a lua é habitável — quiçá habitada. O orbitador Europa Clipper deve ser lançado até meados da próxima década e mapear detalhadamente o satélite natural joviano, a fim de que se escolha um local adequado para uma tentativa de pouso, com um módulo a ser lançado posteriormente.
De início, imaginava-se que um estudo mais sofisticado do oceano europano exigiria de fato um pouso e, se bobeasse, até mesmo uma perfuração de vários quilômetros para que se pudesse navegar pela água com um submarino robótico. Uma missão assim custaria basicamente um gazilhão de dólares, dinheiro que a agência espacial americana não tem.
O fato de que Europa tem plumas torna o estudo direto de seu oceano muito mais simples.
Com efeito, a espaçonave Cassini fez uma investigação bastante detalhada do oceano de Encélado ao atravessar suas vigorosas plumas e conseguiu confirmar que o oceano interno de água salgada dessa pequena bolota de gelo com meros 500 km de diâmetro tem todos os ingredientes para a existência de vida.
A espaçonave só não pôde procurar por moléculas biológicas complexas porque seu espectrômetro havia sido projetado para determinar apenas compostos mais simples. (Não custa lembrar que a Cassini foi lançada em 1997, com tecnologia de décadas atrás. Sua missão a Saturno foi concluída no ano passado, num mergulho ao interior do planeta, deixando forte gostinho de “quero mais”.)
O Europa Clipper terá tecnologia quase três décadas mais avançada, capaz de detecções ainda mais sofisticadas. Então, se Europa tem mesmo essas plumas, não é inconcebível que a nova sonda da Nasa possa descobrir coisas incríveis sobre a lua joviana sem sequer descer nela, já na próxima década.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br - SpaceToday
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