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O Planeta Nove existe mesmo ou ele é apenas um grande anel de detritos nos confins do Sistema Solar?



Por George Dvorsky

Os estranhos arranjos orbitais de objetos que ficam além de Netuno levaram os cientistas a especular sobre a existência do chamado Planeta Nove — um hipotético planeta grande nos confins do Sistema Solar. Uma nova pesquisa, no entanto, sugere que não é necessário um planeta para criar as órbitas anômalas, e que um enorme anel de detritos é uma explicação mais plausível. Críticos do disco proposto dizem que mais evidências são necessárias.

O evasivo Planeta Nove, às vezes referido como Planeta X, tem sua existência considerada devido às órbitas peculiares de certos Objetos do Cinturão de Kuiper, também conhecidos como Objetos Trans-Netunianos (TNOs, na sigla em inglês). Os astrônomos documentaram cerca de 30 TNOs anômalos até hoje — objetos com órbitas exageradas e inclinadas, além de comportamento estranho de agrupamento. Para explicar isso, os astrônomos propuseram a presença de um planeta ainda a ser descoberto.

Para fazer tudo isso funcionar como o esperado, o Planeta Nove teria que estar localizado a em torno de 200 Unidades Astronômicas (UA) do Sol — o que dá cerca de 30 bilhões de quilômetros — e ter 10 vezes mais massa que a Terra. A influência gravitacional desse planeta hipotético é “pastorear” ou gradualmente empurrar os TNOs para suas órbitas observadas, de acordo com essa teoria.


Representação artística do Planeta Nove. Imagem: Caltech/R. Hurt

Uma nova pesquisa publicada esta semana no Astronomical Journal está oferecendo uma alternativa fascinante para a hipótese do Planeta Nove. Em vez de invocar um planeta misterioso para explicar as estranhas órbitas de certos objetos do Cinturão de Kuiper, os autores do novo estudo — Antranik Sefilian, da Universidade de Cambridge, e Jihad Touma, da Universidade Americana de Beirute — argumentam que um disco na camada externa do Sistema Solar composto por rocha e gelo poderia produzir o mesmo efeito que um grande planeta exterior.

Sefilian e Touma não forneceram nenhuma evidência observacional para este suposto disco — simplesmente não existe nenhuma. Em vez disso, os autores apresentaram um novo modelo matemático demonstrando a possibilidade teórica desta estrutura proposta. É importante ressaltar que o novo modelo não descarta completamente a existência do Planeta Nove, ou pelo menos de uma versão menor dele, já que a influência gravitacional combinada de um planeta externo e de um disco de detritos externo também poderia produzir as órbitas TNO observadas.

“A hipótese do Planeta Nove é fascinante, mas se o hipotético nono planeta existe, até agora ele conseguiu não ser detectado”, diz Sefilian em um comunicado. “Queríamos ver se poderia haver outra causa, menos dramática e talvez mais natural, para as órbitas incomuns que vemos em alguns TNOs. Nós pensamos, então: ao invés de permitir um nono planeta, e então nos preocuparmos com sua formação e órbita incomum, por que não simplesmente explicar a gravidade de pequenos objetos considerando um disco além da órbita de Netuno e ver o que ele poderia fazer por nós?”

Sefilian e Touma não são os primeiros a propor esta teoria. Em 2016, um estudo conduzido pela astrônoma Anne-Marie Madigan, da Universidade da Califórnia em Berkeley, sugeriu que um disco na parte externa do Cinturão de Kuiper, composto de planetesimais — como são chamados os fragmentos remanescentes da formação do Sistema Solar — cobertos de gelo. Esse disco poderia ser o responsável pelas estranhas órbitas dos TNOs. O novo artigo é diferente, já que um modelo matemático foi usado para mostrar como esse disco hipotético e os oito planetas do Sistema Solar podem influenciar a configuração orbital dos TNOs.

Em seu novo modelo, o Planeta Nove foi substituído pelo disco hipotético, e presume-se que os objetos dentro dele estivessem espalhados por uma área ampla. A força gravitacional coletiva desses objetos, segundo Sefilian, poderia “explicar as órbitas excêntricas que vemos em alguns TNOs”.

Se esta faixa externa de planetesimais existir, no entanto, ela desafiaria as previsões convencionais sobre o número e a massa total de objetos além de Netuno. Teorias atuais sugerem que a massa total lá fora é de cerca de um décimo da massa da Terra, de acordo com os autores do estudo, mas para isso funcionar como eles descreveram, teria que ser em torno de 10 vezes a massa da Terra. É, portanto, uma hipótese ousada, que exige mais provas.

“Não temos evidências observacionais diretas do disco, mas também não existe nada do tipo para o Planeta Nove. É por isso que estamos investigando outras possibilidades. No entanto, é interessante notar que observações de análogos do cinturão de Kuiper em torno de outras estrelas, bem como modelos de formação de planetas, revelam enormes populações remanescentes de detritos”, diz Sefilian. “Também é possível que ambas as coisas sejam verdadeiras — pode haver um disco volumoso e um nono planeta. Com a descoberta de cada novo TNO, reunimos mais evidências que podem ajudar a explicar seu comportamento”.

Provar a existência desse disco de detritos, assim como provar a existência do Planeta Nove, não é tão simples quanto pesquisar de longe usando nossos telescópios, diz o astrônomo Carlos de la Fuente Marcos, da Universidade Complutense de Madri.

“Tal estrutura, se real, parece estar fora do alcance das atuais instalações telescópicas, seja no solo ou no espaço”, comenta Marcos, que não tem relação com o novo estudo, ao Gizmodo. “Será difícil confirmar ou rejeitar essa hipótese com telescópios atualmente disponíveis ou planejados.” Ele acrescenta: “O cenário explorado neste trabalho parece bastante especulativo, mas o fato é que sabemos muito pouco sobre o Sistema Solar além de Plutão.”

Também falamos com o astrônomo da Caltech Konstantin Batygin, que, junto com seu colega Mike Brown, publicou evidências da existência do Planeta Nove em 2016. As matemáticas do novo estudo são “de primeira linha”, diz Batygin, mas ele também aponta várias deficiências astrofísicas.

Por um lado, supõe-se que o cinturão de Kuiper termine a cerca de 48 UA, ou 7,8 bilhões de quilômetros, do Sol — o chamado “penhasco de Kuiper”, além do qual os TNOs são insignificantes. Em segundo lugar, Batygin aponta para pesquisas recentes sugerindo que o cinturão de Kuiper tem uma massa acumulada perto de 50 vezes menor que a da Terra, o que é muito menor do que a estimativa convencional de um décimo da Terra, e certamente muito menor do que a de 10 vezes usada pelo estudo. Estes dois pontos de dados, quando tomados em conjunto, significam que o disco massivo proposto por Sefilian e Touma “deve começar em centenas de AU” do Sol baseado no que é conhecido observacionalmente e da mecânica celeste, o que não é plausível, diz Batygin.

“Está bem estabelecido que estrelas como o Sol normalmente se formam em aglomerados, e o Sistema Solar não é exceção”, declara ele ao Gizmodo. “Ou seja, argumentos cosmoquímicos, bem como a existência da Nuvem de Oort, indicam que o Sol residiu em um aglomerado de cerca de 10 mil estrelas por aproximadamente 100 milhões de anos após sua formação — o que nos leva a um terceiro problema com o estudo: a coerência do disco previsto teria sido interrompida no início da vida útil do sistema solar, tanto pelo potencial gravitacional acumulado do aglomerado de nascimento do Sol, quanto pelas perturbações [aleatórias] das estrelas que passam.”

Ele também acha difícil acreditar que um enorme disco protoplanetário pudesse residir a distâncias além de 100 UA, como sugere o novo estudo.

“Os discos protoplanetários típicos estendem-se apenas a aproximadamente 30 a 50 UA”, ele diz. “Por que o disco protoplanetário do sol terminaria em torno de 30 UA, mas depois reiniciaria além de 100 UA? Como foi a natureza coerente e excêntrica do disco previsto criado em primeiro lugar? Como sua existência escapou de pesquisas observacionais até hoje?”

Todas essas questões, e outras, “continuam sem ser abordadas pelo estudo”, diz Batygin. Em última análise, o novo artigo “falha em ser uma explicação astrofísica plausível para a estrutura anômala do sistema solar distante”, afirma ele.

Sem dúvida, a principal fraqueza do artigo é a ausência de evidências astronômicas — mas a mesma afirmação pode ser feita para os argumentos a favor do Planeta Nove. É possível, como algumas pesquisas argumentam, que não existam anomalias orbitais no cinturão de Kuiper e que os cientistas sejam meras vítimas de um viés de observação. Em outras palavras, dados mais confiáveis ​​são necessários para mostrar que algo está ocorrendo lá fora. Enquanto os astrônomos continuam a busca pelo Planeta Nove, eles também devem estar atentos a sinais de uma faixa inesperada de detritos ao longo dos limites externos de nosso Sistema Solar.

Na ciência, seguir múltiplos caminhos de investigação não é uma falha.

[Astronomical Journal]

FONTE: GIZMODO BRASIL

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