A mudança climática e uma terceira guerra mundial são as duas principais ameaças que pairam sobre a humanidade hoje. A energia nuclear está intimamente ligada a essas duas ameaças de forma paradoxal: na primeira como solução e na segunda como problema.
Leonam dos Santos Guimarães
Doutor em Engenharia, Diretor de Planejamento, Gestão e
Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do
Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral
da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A mudança climática e uma terceira guerra mundial são as duas principais ameaças que pairam sobre a humanidade hoje. A energia nuclear está intimamente ligada a essas duas ameaças de forma paradoxal: na primeira como solução e na segunda como problema.
A mudança climática põe em perigo os ecossistemas e sistemas sociais de todo o mundo. A degradação dos recursos naturais, a redução da oferta de água e alimentos, as migrações forçadas, elevação do nível do mar, degelo dos polos e catástrofes naturais mais frequentes e intensas poderão afetar significativamente todas comunidades humanas, grandes e pequenas. Esses efeitos relacionados ao clima irão amplificar tensões nos conflitos já existentes no mundo criar novos, agindo como um "multiplicador de ameaças" em regiões cujo equilíbrio já é frágil. Isso aumentará a instabilidade internacional, provocando e exacerbando hostilidades entre os povos e nações.
Enquanto isso, as 15.500 armas nucleares que permanecem nos arsenais de apenas alguns estados possuem a força destrutiva de eliminar a vida na Terra como a conhecemos. Com as estratégias de dissuasão nuclear ainda em vigor e centenas de armas em condições de pronto emprego, os riscos de uma guerra nuclear causada por acidente, erro de cálculo ou decisão equivocada permanecem elevados e iminentes em tal ambiente instável.
Apesar do reconhecimento crescente de que a mudança climática e as armas nucleares representam riscos de segurança críticos, as sinergias entre as duas ameaças são amplamente ignoradas. No entanto, os riscos das armas nucleares e do clima interferem entre si, amplificando-se mutuamente. Conflitos induzidos pela mudança climática poderiam contribuir para a insegurança global que, por sua vez, aumentarão a possibilidade de uma arma nuclear ser efetivamente usada, como também propiciar um recrudescimento do terrorismo, incluindo o terrorismo nuclear, além de gerar motivações em diferentes estados para desenvolverem ou adquirirem suas próprias armas nucleares.
Sendo uma parte importante da solução para as mudanças climáticas, a energia nuclear é necessária à efetiva mitigação em tempo dos efeitos da geração de gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis. Em combinação com as energias renováveis e o aumento da eficiência energética, a energia nuclear tem a capacidade potencial de substituir significativamente as enormes quantidades de energia fóssil hoje produzida no mundo, sendo economicamente viável e flexível para atender às demandas por geração na base da carga dos sistemas elétricos, ampliados pela descarbonização da economia.
Cabe ressaltar que uma significativa ampliação da geração nuclear implicará num correspondente crescimento da indústria do combustível nuclear mundial, o que torna necessário um reforço no regime internacional de salvaguardas implantado em decorrência do Tratado de Não Proliferação (TNP).
Os conflitos de interesses entre objetivos de longo prazo e as decorrentes medidas concretas de curto prazo tornam a efetiva cooperação internacional em matéria de mudança climática e desarmamento nuclear extremamente difícil. Apesar da crescente conscientização sobre a urgência de abordar os problemas do clima e da ameaça nuclear entre os decisores políticos, os acadêmicos e a sociedade civil, verifica-se uma grande carência de ações concretas, viáveis e efetivas.
Cientistas e engenheiros inventaram as tecnologias para explorar a energia fóssil e a nuclear (tanto para fins civis como militares) e assim eles têm uma responsabilidade especial no contexto atual. Devido à sua experiência, eles podem fazer grandes contribuições para abolir os arsenais nucleares e possibilitar uma transição energética sustentável. Prevenir os perigos da mudança climática e da guerra nuclear exige um conjunto integrado de estratégias que abordam as causas, bem como os impactos sobre o ambiente natural e social.
As instituições são necessárias para reforçar a segurança comum, ecológica e humana, construir e reforçar os mecanismos de resolução de conflitos e soluções energéticas de baixo carbono e ciclos de vida sustentáveis, que respeitem os recursos do mundo vivo.
Somente o efetivo engajamento dos técnicos e das instituições, abolindo as armas nucleares e valorizando a energia nuclear para fins pacíficos, criarão condições para paz e prosperidade duradoura.
FONTE: http://www.defesanet.com.br/
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