Ryan F. Mandelbaum
Computadores quânticos capazes de burlar os métodos mais fortes de criptografia existentes podem estar a décadas de distância, mas um grupo de empreendedores e pesquisadores acha que é melhor já começarmos a falar de ética no campo.
Talvez uma das principais histórias do ano tenha sido nossa percepção coletiva de que nossos dados não são tão seguros quanto pensávamos — e que as empresas de tecnologia não estão agindo de acordo com nossos melhores interesses. Pesquisadores de computadores quânticos estão desenvolvendo máquinas que talvez exijam uma revisão completa da criptografia atual e que podem, um dia, ter o poderoso potencial de causar danos. Para tratar isso, a startup EeroQ espera começar a discussão sobre ética na computação quântica.
Para tratar esse assunto, você precisa saber apenas que o computador quântico é uma tecnologia nascente que usa a matemática das partículas subatômicas para executar cálculos difíceis ou impossíveis para computadores clássicos. Um computador quântico poderoso o suficiente pode levar a melhores algoritmos de aprendizagem de máquina, criar modelos de moléculas para ajudar a desenvolver novos medicamentos ou resolver problemas de otimização como a forma mais eficiente de alocar aviões em portões de aeroportos. Mas ele também poderia, teoricamente, burlar estratégias de criptografia baseadas na dificuldade de computadores clássicos de fatorar grandes números. Os computadores quânticos de hoje em dia são pequenos, propensos a erros e não encontraram um verdadeiro “aplicativo assassino”, mas estão avançando rapidamente em complexidade.
Nesse cenário, a startup EeroQ financiou um novo esforço para alavancar a conversa sobre ética em torno da computação quântica. Os fundadores da EeroQ lançaram o site QCethics.org e um artigo nesta semana, na conferência Quantum For Business, em Mountain View, na Califórnia.
“Em última análise, este artigo é um mero ponto de partida”, disse o CEO da EeroQ, Nicholas Farina, ao Gizmodo, “mas acreditamos que é fundamental iniciar a conversa agora”.
Mas por que agora? O autor do artigo, Sean Holland, doutor em filosofia e consultor em ética empresarial, escreve que as empresas de computação quântica estão desenvolvendo um produto que, embora distante, tem um enorme potencial para benefício e prejuízo. “Aproveitar a oportunidade única de identificar e abordar as importantes questões éticas levantadas pela computação quântica é o nosso melhor meio de mitigar ou eliminar estes riscos futuros significativos para as pessoas, as empresas e a sociedade”, escreve Holland. Em segundo lugar, a computação quântica entrou em uma nova era, em que os dispositivos podem em breve encontrar usos reais — que, no momento, não estão claros, assim como a maneira como eles nos afetarão.
Os computadores quânticos já estão preocupando pesquisadores de segurança, e o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST, na sigla em inglês) está trabalhando em padrões para criptografia quântica segura. Aliás, o governo dos Estados Unidos está tratando como preocupação de segurança nacional o potencial de que outros países o derrotem no desenvolvimento de um computador quântico poderoso. Talvez eles possam ser transformados em armas ou usados para aumentar a capacidade militar. Holland lista outras questões potenciais em torno dos benefícios da computação quântica: como muitas pesquisas no campo são financiadas publicamente, como podemos garantir que os benefícios para setores como a saúde sejam distribuídos de forma justa?
Podem existir outras questões que os cientistas e os especialistas em ética ainda não pensaram; esse grupo espera estar à frente do debate sobre ética para não perder oportunidades. Por exemplo, uma empresa, a Zapata, lançou recentemente um algoritmo capaz de permitir que computadores quânticos mais barulhentos fatorem grandes números mais rápido, um avanço que colocaria todos os nossos dados criptografados em risco também mais rapidamente. “É esse tipo de desconhecimento que realmente motiva muitas das preocupações”, disse Holland ao Gizmodo.
A EeroQ redigiu o artigo com a ajuda da cofundadora Faye Wattleton, que foi presidente da organização Planned Parenthood de 1978 a 1992. Ela disse ao Gizmodo que desenvolver a estrutura ética em torno da computação quântica deveria ser um esforço multidisciplinar. “Este é um momento oportuno para o setor pelo menos apoiar os pensadores que possam ser capazes de moldar uma estrutura ética”, disse.
Todos com quem conversei, incluindo físicos, filósofos, empresários e um historiador, concordaram que nunca é cedo demais para começar a discutir ética, afirmando também que os físicos deveriam pensar duas vezes em sua atitude de “ciência pela ciência”. “Cabe a cada um de nós na indústria sempre controlar nosso entusiasmo por todas as coisas quânticas, com o pragmatismo de planejar as potenciais implicações não intencionais das tecnologias que criamos”, disse ao Gizmodo William Hurley, CEO e fundador da startup de computação quântica Strangeworks, não envolvida nesse esforço atual.
Patrick Lin, professor de filosofia e diretor do Grupo de Ética e Ciências Emergentes da Universidade Politécnica do Estado da Califórnia, disse ao Gizmodo que pode ser difícil prever as consequências que a computação quântica terá. “Precisamos ter muito cuidado ao tomar medidas, ou seja, criar políticas, se muito ainda for desconhecido”, afirmou, acrescentando que devemos estar preparados para agir assim que um possível problema surgir. E, dada a natureza global da pesquisa em física, apesar dos interesses políticos nacionais, é provável que seja necessário um acordo internacional para lidar com as questões, disse Lin. “Ao mesmo tempo, devemos ter a certeza de incluir vozes marginalizadas, não apenas da própria comunidade ou do próprio país, mas também de nações em desenvolvimento.”
O campo da computação quântica está em um lugar diferente do que talvez estiveram os primeiros computadores; já vimos o caminho pelo qual o desenvolvimento sem uma estrutura ética firme pode nos levar, disse Chris Garcia, do Museu da História do Computador, na Califórnia. Os fundadores do MySpace provavelmente não esperavam que um dia hackers russos pudessem usar redes sociais para influenciar as eleições, por exemplo.
Também perguntei a Garcia a importância de uma startup como a EeroQ liderar a conversa, em vez de apenas pessoas na academia. Ele disse que é importante que as empresas no campo liderem o caminho. Afinal, às vezes, temos a tendência de ser mais duros com empresas que violam estruturas éticas autoimpostas, como a do Google de “não seja mau“, do que com empresas que já fazem coisas ruins — embora possa ser fácil para uma empresa quebrar um código de ética quando o dinheiro está apertado, ele disse.
Ainda assim, não são os grandes atores que preocupam Garcia. “É o acesso de tecnologia suficientemente perigosa nas mãos de pessoas perigosas”, afirmou. “Essa é a coisa mais assustadora” — e outra razão para buscar uma estrutura ética cedo.
Computadores quânticos úteis e aplicativos preocupantes estão provavelmente a pelo menos uma década de distância. Mas, agora que são uma possibilidade real, vale a pena considerar seus impactos mais cedo — especialmente considerando o quão terríveis podem ser as consequências.
FONTE: GIZMODO BRASIL
Comentários
Postar um comentário