Algoritmo de aprendizado de máquina usa dados de eletroencefalograma para descobrir as chances de que pacientes com lesão cerebral venham a acordar
A consciência é uma ideia peculiar, até mesmo sobrenatural. Três quilos de carne — o cérebro — são responsáveis pela percepção do corpo que o abriga e do mundo ao seu redor. Todos nós reconhecemos uma consciência quando a vemos, mas o que ela realmente é? E para onde vai quando acaba? A neurociência não tem as ferramentas para responder a essas perguntas - se é que é realmente possível respondê-las - mas, em um hospital, os médicos precisam ser capazes de diagnosticar se um paciente está consciente. Eles precisam saber se um indivíduo com uma lesão cerebral está consciente de si mesmo ou do ambiente. Este diagnóstico ainda é feito principalmente com um exame simples à beira do leito. O paciente está respondendo aos comandos? Ele está gesticulando ou verbalizando intencionalmente etc.?
Para os pacientes no limite da consciência - não lúcidos, mas também não comatosos - definir o estado de consciência é difícil. Movimentos e sons sem propósito podem se assemelhar aos propositais. A consciência vai e vem. Em muitos casos, um diagnóstico de alto risco será feito. Ou o paciente está em um estado minimamente consciente, onde há alguma probabilidade de recuperação, ou o paciente recebe um diagnóstico de síndrome de encarceramento, no qual suas ações são consideradas aleatórias e sem propósito e há pouca esperança de recuperação. Lamentavelmente, esses diagnósticos estão misturados em até 40% dos casos.
Como há muita coisa em jogo, um estudo recente na revista Brain tenta ajudar os médicos. O artigo detalha um algoritmo de aprendizado de máquina que distingue a síndrome do encarceramento de um estado minimamente consciente usando gravações de ondas cerebrais de um eletroencefalograma. O algoritmo, se colocado em uso, tiraria algumas das suposições dos diagnósticos e provavelmente teria um desempenho melhor do que a maioria dos médicos humanos. Mas diagnosticar o estado de espírito com um algoritmo gera preocupações éticas. Até que ponto estamos confortáveis em entregar esse tipo de diagnóstico de vida ou morte a uma máquina? Especialmente considerando que a nossa percepção da consciência, enquanto um conceito, é tão mínima.
Investigar o cérebro buscando por traços de consciência não é uma ideia nova. Durante décadas, pesquisadores vêm estudando como técnicas de varredura cerebral, como a Tomografia Computadorizada por Emissão de Pósitrons (PET) e a Ressonância Magnética Funcional (fMRI), podem ser usadas para estudar o limite da consciência. Um estudo de referência de 2014, utilizando a PET mostrou que os cérebros poderiam responder a interpretações em alguns pacientes que receberam um (des)diagnóstico de síndrome de encarceramento. O mais importante é que os pacientes com um exame de PET ativo foram mais propensos a ter uma recuperação significativa.
Esta descoberta argumenta que os exames de PET devem ser usados se há alguma dúvida sobre o estado de consciência do paciente. Os exames PET, no entanto, não estão disponíveis em todos os hospitais. Eles também são caros, dados a equívocos e difíceis de interpretar. Uma alternativa mais acessível é o eletroencefalograma ou EEG, onde os sensores elétricos são colocados no couro cabeludo do paciente, captando a atividade através do crânio. O EEG registra a atividade cerebral como ondas quando neurônios suficientes disparam em uníssono. Em uma pessoa saudável, essas ondas se movem em frequências previsíveis. Após uma lesão cerebral, o padrão é menos previsível.
No novo estudo, um grupo do Hospital Pitié-Salpêtrière, em Paris, fez o registro de EEG em 268 pacientes com diagnóstico de síndrome de encarceramento ou estado minimamente consciente. Os EEGs foram gravados antes e durante uma tarefa de escuta projetada para captar o processamento consciente dos sons. Dezenas de aspectos dos dados foram introduzidos em um algoritmo de aprendizado de máquina chamado DOC-Forest.
O DOC-Forest teve um desempenho relativamente bom nessa tarefa complexa. Cerca de 3 a cada 4 casos foram diagnosticados corretamente. (Nota: em vez de precisão, os autores usam uma métrica de melhor desempenho chamada AUC. A AUC leva em conta a taxa de classificação de falsos positivos, que tem conseqüências profundas.)
Os autores também tiveram o cuidado de utilizar o DOC-Forest em cenários do mundo real. Eles introduziram um ruído aleatório nos dados, simulando o modo como diferenças nos procedimentos de coleta de dados podem acontecer. Os cientistas levaram em conta diferentes arranjos de sensores no crânio. Eles também utilizaram o algoritmo em um conjunto de pacientes de um hospital em Liege, na Bélgica. Em cada caso, o DOC-Forest teve uma boa atuação, com aproximadamente a mesma medida de desempenho.
De uma certa perspectiva, esse algoritmo de aprendizado de máquina é um avanço significativo. Os dados do EEG são complexos e contêm várias dimensões - tempo, frequência, condição de teste, localização dos sensores etc. Pense em páginas e páginas de ondas na tela do computador. Normalmente, os pesquisadores se concentram nos aspectos fáceis de interpretar dos dados, como os que são revelados a partir da aparência de uma onda cerebral específica durante a tarefa de escuta. Esse foco na interpretação exclui aspectos potencialmente importantes dos dados. O aprendizado de máquina não tem esse viés humano em relação à capacidade de interpretação e comunicabilidade. Ele apenas se concentra na classificação correta dos dados, o que é realmente necessário.
Se colocado em prática, o DOC-Forest poderia ser uma ferramenta útil para um neurologista inexperiente. O DOC-Forest percorrerá as linhas sinuosas dos dados do EEG e fornecerá chances de encontrar no paciente algum nível de consciência que um médico inexperiente não achou em seus testes à beira do leito. Há uma circularidade aqui, no entanto. O algoritmo é "treinado" a partir de casos diagnosticados por neurologistas humanos com testes à beira do leito. Enquanto o grupo de Pitié-Salpêtrière foi capaz de rastrear pacientes por algum tempo para minimizar diagnósticos errados, o algoritmo apenas associa os sinais de EEG àqueles diagnósticos - embora mais embasados - à beira do leito. O que, no entanto, não é revelado sobre a consciência em nenhum desses testes, EEG ou outros? É preciso ter em mente que realmente não sabemos onde e como a consciência surge. Não temos muita noção das formas que a experiência consciente pode ter além daquela que experimentamos em nós mesmos. Alguém poderia argumentar que nosso entendimento mínimo do problema significa que não devemos envolver as máquinas ainda. Por outro lado, não está claro se teremos respostas satisfatórias para essas perguntas. Então, por que não deixar uma ferramenta cuidadosamente projetada, como a DOC-Forest ajudar a tomar decisões dentro de nossa compreensão atual da consciência. Não há uma resposta fácil, mas é algo que provavelmente deve ser discutido à medida que essas ferramentas se aproximam do uso diário.
Sam Rose
FONTE: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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