
Alguns artefatos de pedra e fósseis mais antigos do período Paleolítico na localidade de Shangchen
Hominídeos - nome dado aos nossos antepassados evolutivos - chegaram à Ásia há pelo menos 2,1 milhões de anos, afirmam pesquisadores em um artigo publicado na revista Nature em 11 de julho. Ferramentas de pedra encontradas na China central por estes cientistas representam as primeiras evidências conhecidas de humanos ou de seus parentes antigos vivendo fora da África.
Outros cientistas estão convencidos de que as ferramentas foram feitas por hominídeos e estão confiantes de que são tão antigas quanto dizem seus descobridores. Embora a identidade dos fabricantes das ferramentas seja desconhecida, a descoberta poderia forçar os pesquisadores a reconsiderar quais espécies de hominídeos saíram da África, e quando. "Este é uma visão totalmente nova sobre o paleolítico", diz William Jungers, paleoantropólogo da Universidade Stony Brook, em Nova York.
A maioria dos pesquisadores afirma que os hominídeos - linha evolutiva que inclui os seres humanos - deixaram sua terra natal, a África, há cerca de 1,85 milhão de anos. Esta é a idade dos mais antigos fósseis hominídeos descobertos para além da África - em Dmanisi, na Geórgia, região do Cáucaso. Os hominídeos mais antigos remanescentes do leste da Ásia foram encontrados no sudoeste da China e têm cerca de 1,7 milhão de anos.
Achados arqueológicos encontrados entre 2004 e 2017 em um local chamado Shangchen, na China central, agora desafiam o que se acreditava anteriormente. Ao estudar e datar uma sequência de solos e depósitos de poeira soprada pelo vento, uma equipe de geólogos e arqueólogos chineses e britânicos, liderados por Zhaoyu Zhu, do Instituto de Geoquímica de Guangzhou, da Academia Chinesa de Ciências, descobriu dezenas de ferramentas relativamente simples feitas de pedra. As ferramentas mais novas têm 1,26 milhão de anos e as mais antigas remontam a 2,12 milhões de anos.
As camadas geológicas de 2,12 milhões de anos podem ainda não representar a ocupação mais antiga da região. John Kappelman, antropólogo e geólogo da Universidade do Texas, em Austin, e um dos revisores da revista científica, ressalta que as camadas mais profundas e mais antigas do local estão atualmente inacessíveis porque a região é ativamente cultivada. Investigá-las deve ser uma prioridade, diz ele.
Padrão de polaridade
Os depósitos foram datados usando um método chamado paleomagnetismo, que usa as mudanças bem documentadas no campo magnético da Terra até a data da rocha estabelecida entre esses eventos. O padrão das inversões geomagnéticas que ocorreu entre 1,26 milhões e 2,12 milhões de anos atrás está registrado nos minerais magnéticos presos aos sedimentos de Shangchen.
Jan-Pieter Buylaert, geólogo da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, que trabalhou com os sedimentos dessa região da China, considera a datação "bem feita".
Os arqueólogos também estão confiantes de que as ferramentas são genuínas. O co-líder do estudo Robin Dennell, arqueólogo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, diz que sua equipe descartou a influência de qualquer processo natural, como a agitação de um rio, que poderia fazer com que rochas se parecessem com ferramentas. Não se conhece nenhum rio antigo no local de Shangchen, e as ferramentas propostas são as únicas grandes pedras presentes.
Essa ausência de explicações alternativas para as fraturas vistas nas pedras é suficiente para convencer Zeljko Rezek, um arqueólogo do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, Alemanha. "Como ponto de partida: eu acho que estas são verdadeiramente ferramentas feitas de pedra", diz ele.
Michael Petraglia, arqueólogo do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana em Jena, na Alemanha e outras pessoas que revisaram o artigo concordam que as ferramentas são convincentes. Elas são relativamente simples, mas esta é uma característica comum a todas as ferramentas de pedra tão antigas em relação ao registro arqueológico, diz ele.
Identidade Oculta
A identidade de seus criadores, por enquanto, não é clara: nenhum osso de hominídeo foi recuperado em Shangchen. "Todos nós gostaríamos de encontrar um hominídeo - de preferência, um com uma ferramenta na mão", diz Dennell. O Homo erectus é uma possibilidade, porque alguns dos primeiros membros desta espécie foram encontrados em Dmanisi. Mas Dennell acredita que os fabricantes das ferramentas de Shangchen pertenciam a alguma espécie mais antiga do gênero Homo.
Petraglia e Rezek dizem que a idade das ferramentas - sem mencionar a possibilidade de os hominídeos terem chegado à China ainda antes da marca de 2,12 milhões de anos - sugere que o fabricante das ferramentas era uma espécie como o Homo habilis. Acredita-se que esse hominídeo de cérebro relativamente pequeno teria vivido restrito à África, entre 2,4 milhões e 1,4 milhão de anos atrás.
Junger mantém em aberto a possibilidade de que o autor das ferramentas em Shangchen fosse uma espécie de Australopithecus, um grupo de hominídeos com características mais semelhantes aos macacos, do qual faz parte o icônico fóssil batizado como Lucy. Até agora, todos os ossos de Australopithecus conhecidos foram encontrados na África.
As novas descobertas indicam que os hominídeos cobriram vastas distâncias há mais de 2 milhões de anos - Shangchen está a 14.000 quilômetros dos locais mais próximos da África Oriental onde já foram encontrados outros hominídeos desse período. É possível que os fabricantes das ferramentas de Shangchen, que viviam como caçadores-coletores, estivessem simplesmente caminhando em busca de alimentos, diz Vivek Venkataraman, um ecologista evolucionário da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts.
As descobertas em Shangchen certamente encorajarão outros pesquisadores a procurar por mais sinais de hominídeos que viveram na Eurásia há 2 milhões de anos, diz Kappelman.
Outros grupos já haviam afirmado anteriormente ter encontrado indícios de hominídeos muito antigos na Eurásia. Em 2016, por exemplo, os pesquisadores apresentaram evidências de ferramentas feitas de pedra há 2,6 milhões de anos em um local próximo à fronteira entre a Índia e o Paquistão.
Dennell, que trabalhou naquela região, não descarta a idéia de uma presença de hominídeos anteriormente no local, mas diz que as evidências não são tão claras quanto as descobertas de sua equipe em Shangchen. Para provar a presença de hominídeos em qualquer sítio arqueológico, explica ele, é preciso estabelecer que as ferramentas são reais e que seu contexto geológico e de datação são sólidos. "Isso significa que você tem que beijar um monte de sapos antes de encontrar uma princesa."
Colin Barras
FONTE: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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