POR SALVADOR NOGUEIRA
Talvez nossa existência neste planeta não seja mera coincidência. Segundo um estudo recém-publicado por um quarteto de astrônomos do Brasil, o Sistema Solar está localizado no lugar certo da Via Láctea para permitir a existência de vida — um “oásis” relativamente pequeno em meio a uma galáxia largamente inóspita.
O trabalho, aceito para publicação no periódico “Astrophysical Journal”, foi liderado por Jacques Lépine, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, e envolveu a combinação entre dados precisos de posições de estrelas jovens e cálculos detalhados de suas órbitas ao redor do centro galáctico.
A Via Láctea é uma galáxia espiral de porte respeitável, com cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro e pelo menos 100 bilhões de estrelas, das quais o Sol é apenas uma. Todas elas estão em órbitas ao redor do núcleo da galáxia, onde reside um enorme buraco negro. Mas nosso astro-rei está bem afastado do centro, localizado a 26 mil anos-luz de lá — mais ou menos a metade do caminho até a periferia galáctica.
Há algumas décadas, ao analisarem as diferenças circunstanciais entre as regiões mais centrais da galáxias (com alta densidade de estrelas) e as partes mais afastadas (em geral povoadas por estrelas com baixo conteúdo de elementos mais pesados, como carbono, oxigênio e ferro), os astrônomos começaram a trabalhar o conceito de “zona habitável galáctica” — uma faixa ao redor da Via Láctea onde a potencial presença de vida seria mais favorecida.
O raciocínio básico é que, nas regiões mais internas, devido à grande concentração de estrelas, não só os sistemas planetários estão mais sujeitos a desestabilização por encontrões entre estrelas vizinhas como também existe maior risco de esterilização por explosões de supernovas próximas.
Em compensação, nas regiões mais externas, o problema é a falta de elementos químicos pesados, que são essenciais à formação de planetas habitáveis e, em última análise, de seus potenciais habitantes.
Restaria portanto apenas um anel a uma distância média do centro galáctico que teria as condições certas para a vida. O Sol, naturalmente, estaria nessa faixa.
Até aí, nada de novo. Só que essa noção genérica tinha um certo problema, porque, como todas as estrelas estão girando ao redor do centro da galáxia, elas deveriam rotineiramente atravessar os braços de gás, poeira e estrelas que compõem a forma da Via Láctea. E essa travessia, ao menos em princípio, poderia ser bastante ameaçadora à vida na Terra, conforme o Sol cruzasse nuvens densas de gás e os objetos mais distantes do Sistema Solar possivelmente fossem perturbados, aumentando a taxa de impactos de cometas nos planetas internos.
Em tempos recentes, inclusive, houve pesquisadores defendendo a hipótese de que se podia estabelecer uma correlação entre as extinções em massa que aconteceram em nosso mundo com as potenciais travessias pelos braços galácticos, embora essa conexão nunca tenha sido estabelecida de forma clara. E agora sabemos o porquê.
O estudo dos pesquisadores da USP mostra que, na verdade, o Sol nunca cruza os braços espirais da Via Láctea. Nunca.
De acordo com os cálculos, nossa estrela está presa num padrão de ressonância que faz com que o período de sua órbita — cerca de 200 milhões de anos — seja o mesmo dos braços espirais. Ou seja, se o Sol avança em seu percurso galáctico no mesmo ritmo que o braço de Sagitário, que vem antes dele, e que o braço de Perseu, que vem depois, eles jamais se encontram.
Imagem destaca a posição do Sol, em azul, e de estrelas próximas, em vermelho, que estão presas à ressonância que as impede de cruzar os braços galácticos. (Crédito: Lépine et al.)
A descoberta também ajuda a explicar a existência de um braço anômalo na nossa região da Via Láctea, chamado de “Braço Local”, que consiste em essência numa estranha fileira de estrelas. Essas são justamente as estrelas que, a exemplo do Sol, ficaram presas nesse padrão de ressonância e também nunca têm um encontro potencialmente desagradável com os braços galácticos.
Se a travessia dos braços realmente oferece perigo para a vida — algo que não sabemos com certeza –, o trabalho deve levar a uma importante revisão do conceito de “zona habitável galáctica”, restringindo-a somente a essas áreas onde as estrelas são capturadas nesse padrão particular de ressonância. De acordo com os pesquisdores, existe um desses “oásis” entre cada um dos quatro braços espirais da Via Láctea — são quatro, portanto.
Confira a seguir uma pequena entrevista que o Mensageiro Sideral fez com Jacques Lépine, o autor principal do estudo.
Mensageiro Sideral – As estrelas vizinhas mais próximas, assim como o Sol, estão presas na mesma ressonância que as impede de cruzar os braços galácticos?
Jacques Lépine – Parte das estrelas vizinhas do Sol estão presas na ressonância, parte não. Tudo depende da velocidade espacial das estrelas. Aquelas que possuem velocidades altas com relação ao “padrão local de repouso”, ou seja, se deslocam com velocidades da ordem de 50 km por segundo, ou maior, com relação ao valor médio das estrelas vizinhas, escapam da ressonância.
Mensageiro Sideral – O trabalho parece ensejar uma redefinição maior do que se costuma falar sobre a zona habitável galáctica. Em vez de ser meramente um halo que descarta o bojo e as regiões periféricas da galáxia, ela parece também se limitar a áreas em que essa ressonância identificada por vocês impede a travessia dos braços. Não parece ser esse o caso?
Lépine – Parece ser esse o caso. Constatamos que vivemos num lugar muito particular da galáxia, pois o Sol nunca atravessa os braços espirais. É um lugar favorável à vida, pois se supõe que a travessia de um braço espiral possa ser algo perigoso, por exemplo atravessar nuvens densas de gás. No entanto, não podemos dizer com certeza que a travessia de braços espirais destrói a vida, ou todos os tipos de vida.
Mensageiro Sideral – Espera-se, a partir disso, que existam essas regiões de “aprisionamento por ressonância” entre todos os braços espirais, com a formação de braços de estrelas como o braço local?
Lépine – Sim, ao longo de um círculo com mesmo raio que a distância Sol-centro da galáxia, nosso modelo prevê quatro zonas privilegiadas (nosso braço local é uma delas). Para outras distâncias do centro, não há outras zonas de aprisionamento.
Mensageiro Sideral – Quais as implicações do trabalho para a pesquisa SETI? O sr. acha que esse achado pode ajudar a guiar e priorizar alvos para escuta futura, com base em suas circunstâncias orbitais?
Lépine – Em princípio a pesquisa SETI se concentra principalmente no estudo de estrelas próximas do Sistema Solar, digamos até algumas dezenas de anos-luz. Boa parte destas estrelas são aprisionadas, como o Sol. Eu excluiria da pesquisa as estrelas de alta velocidade, pelos motivos relacionados com a primeira pergunta. Mas isto só em tese, porque sabemos pouco sobre as condições que favorecem a vida.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
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