São 19h no Auditório Lisner na Universidade George Washington, que estava lotada de investidores, magnatas da viagem espacial e cientistas algumas horas atrás. Agora, restam apenas algumas pessoas. É um público bem diferente daquele que estava presente no mesmo dia para ver Buzz Aldrin e outros veteranos palestrarem. Antes de mais nada, um grupo de escoteiras está lotando a primeira fileira. Pela primeira vez no dia, duas mulheres tomaram o palco no encontro Humans to Mars em Washington, D.C.
Em 59 anos, a NASA já levou mais de 50 mulheres ao espaço. Isso pode parecer um número razoável, mas quando você percebe que a agência espacial já levou centenas de homens no mesmo período, é um pouco inquietante. Se nós queremos de fato colonizar um planeta como Marte, nós vamos precisar levar centenas de mulheres, ou milhares. E é por isso que as mulheres da conferência Human to Mars se juntaram no auditório esvaziado ao final do dia para discutir como é importante termos mais astronautas mulheres, e estudar como elas respondem física e mentalmente aos desafios da gravidade zero.
“Nós não temos um grande banco de dados de mulheres [astronautas], então é sempre um pouco difícil conseguir dados estatísticos, mas nós vemos diferenças” em como os homens e as mulheres são afetados pelo vôo espacial, Ellen Stofan, ex cientista chefe na NASA, disse ao Gizmodo no encontro. “É importante não apenas fazer mulheres passarem um período estendido de tempo no espaço, mas também termos muito mais mulheres lá”.
Nesse ponto, estamos apenas começando a aprender como o vôo espacial de longa duração afeta o corpo humano. Diversos estudos confirmam que as pessoas experimentam perda de massa óssea e de massa muscular no espaço, por exemplo. É por isso que os astronautas se exercitam cerca de duas horas por dia, o que ainda assim pode não ser o bastante para reagir aos inevitáveis efeitos da microgravidade. Pesquisadores da Universidade de Michigan estão investigando por que os cérebros dos astronautas mudam de formato durante vôos espaciais, eles já descobriram que o volume de massa cinzenta flutua durante missões de curta e longa duração.
Foto: NASA via AP
Uma das fontes mais ricas de dados até agora vem do Estudo dos Gêmeos da NASA, que analisou o astronauta Scott Kelly durante um ano no espaço, comparando sua saúde àquela do seu irmão, o ex astronauta Mark Kelly, aqui na Terra. Até agora, o Twin Study nos ensinou que viagens longas afetam o corpo de maneiras inesperadas. Por exemplo, as capas protetoras dos cromossomos de Scott, chamadas telômeros, cresceram enquanto ele estava no espaço, apenas para retornar a vôos pré-vôo logo após ele voltar para a Terra. Os cientistas ainda estão tentando entender o que isso significa, e existe alguma preocupação que o alongamento do telômero esteja associado com doenças. Outros cientistas do Human Research Program da NASA estão analisando amostras de fluidos e tecidos coletadas antes, durante e depois do ano de Kelly no espaço, para identificar possíveis mudanças no seu sistema imune, bactérias dos intestinos e função cardiovascular.
Não existe um Estudo dos Gêmeos para mulheres. Mas pelo que nós sabemos, não podemos assumir que o que se aplica para homens também se aplica para mulheres. Um estudo publicado no Journal of Women’s Health em 2014 notou que mulheres alcançam um número de dias seguros no espaço mais cedo do que os homens por terem uma “incidência maior de cânceres induzidos por radiação” como pulmão, tireóide, seios e ovários. Na conferência Humans to Mars sobre sexo e gênero no espaço, pesquisadores reiteraram que os órgãos reprodutivos femininos podem ser mais sensíveis à exposição à radiação em vôos espaciais do que os dos homens.
Os poucos dados que encontramos sobre mulheres astronautas apontam para outras diferenças não esperadas entre os sexos, por exemplo, uma misteriosa condição nos olhos chamada deficiência visual causada por pressão intercranial (VIIP na sigla em inglês) parece ser mais comum em astronautas homens, Stofan disse ao Gizmodo. Pesquisas preliminares sugerem que as astronautas mulheres podem ser mais suscetíveis a infecções do trato urinário no espaço, e intolerância ortostática quando voltam à Terra, comparadas aos seus colegas homens.
É difícil dizer o quão importantes são essas diferenças. Algumas pessoas, mesmo algumas mulheres astronautas, acham que não são. “Nós estudamos os astronautas como uma população, e nós certamente temos um tanto de mulheres nessa população, e embora existam algumas pequenas diferenças, elas não são diferenças tão grandes assim”, a astronauta da NASA Kate Rubins disse ao Gizmodo.
Outros defenderiam que essas diferenças são muito importantes, mas na verdade, nós não sabemos de verdade até termos mais mulheres nas tripulações. Frustrantemente, tem sido um desafio desde o primeiro dia.
Em 6 de junho de 1963, a cosmonauta soviética Valentina Tereshkova virou a primeira mulher no espaço. Sua estadia de três dias foi curta mas profunda, orbitando o planeta 48 vezes antes de voltar à Terra. Apesar de inúmeras viajens à órbita e até à Lua, demorou mais 20 anos para os EUA mandarem sua primeira mulher ao espaço. Mesmo então, Sally Ride teve que andar pelo clube dos garotos que a NASA da época era, em uma agora conhecida história, engenheiros a ofereceram 100 tampões para uma viagem de sete dias.
Hoje, a proporção de gênero continua bem desequilibrada, dos 44 astronautas ativos da NASA, apenas 14 são mulheres. Dos cinco astronautas atualmente na estação espacial internacional, apenas uma, Peggy Whitson, é mulher. Isso tirando o fato que mais mulheres do que nunca estão se inscrevendo para virarem astronautas.
Até agora, nenhuma mulher astronauta viajou além da baixa órbita da Terra.
Imagem: NASA/NSBRI
Embora não exista uma conspiração para manter as mulheres de fora, uma tendência implícita se mostra como uma verdadeira barreira para mulheres procurando carreiras no STEM. Pesquisas sugerem que desde a escola fundamental, as meninas são desencorajadas em suas aulas de matemática e ciências. Mesmo elas sendo capazes de superar as barreiras acadêmicas, as mulheres cientistas tem mais chance de sofrer discriminação de seus professores e empregadores. Soa familiar?
“É uma grande frustração minha, em termos de ser um problema estrutural”, Stofan disse ao público na apresentação da Humans to Mars. “É uma coisa dizer, ‘Ok, vamos fazer programas onde encorajamos garotas e pessoas de cor a entrarem no STEM’, mas então nós entramos em um ambiente STEM… nós vemos os números caírem de novo. Não é o bastante abrir a porta, você precisa fazer as pessoas se sentirem bem vindas”. O fato que poucas mulheres estiveram apresentando palestras no Humans to Mars apenas serviu para reforçar seu ponto.
Por sorte, a próxima geração de mulheres na exploração espacial está pronta para ir muito além que suas antecessoras, tanto literal quanto figurativamente. Algumas aspirantes a astronautas, como Abigail Harrison, tem defendido publicamente a necessidade de mandar mais mulheres pro espaço. Na cabeça de Harrison, os efeitos psicológicos da viagem espacial em mulheres são pouco estudados, e tão importantes quanto os efeitos físicos.
Sally Ride (direita) junto com os outros membros da primeira aula de astronautas da NASA só de mulheres. Imagem: NASA
“Uma das formas que podemos realmente nos beneficiar de ter mulheres no espaço em longo termo, vários homens e mulheres, é observar a saúde mental”, Harrison disse ao Gizmodo. “Nós sabemos que mulheres e homens são socializados diferentemente na sociedade, e isso afeta a forma que eles reagem às coisas como ansiedade de separação, estarem espaços confinados, e habilidade de trabalhar em grupos”. O experimento da NASA Hi-SEAS está dando o primeiro passo em direção a entender os efeitos psicológicos de uma viagem a Marte, ao isolar grupos de homens e mulheres em uma redoma fechada nas encostas de um vulcão havaiano para ver como eles trabalham e vivem juntos. Até agora, os resultados foram promissores.
Por fim, o caminho é mandar mais mulheres astronautas para o espaço, e estudá-las. Obviamente, existe outro motivo extremamente importante em mandar mais mulheres para o espaço, além de expandir o nosso entendimento da biologia humana.
“Se não incluirmos mulheres na equação, estamos tirando 50 por cento da capacidade cerebral e criatividade e tudo mais necessário para seguir em frente com a inovação”, Harrison disse.
O cientista da nasa Robert Moses mostrou o mesmo sentimento de maneira mais direta.
“Em uma missão para Marte? Nós vamos ter o nosso Apollo 13”, ele disse ao Gizmodo. “Quem você quer na sala, uma sala cheia de homens brancos de meia idade? Você quer mulheres e mais mulheres. Você quer tantas cabeças quanto possível resolvendo aquele problema”.
Imagem: Peggy Whitson/NASA Johnson via Flickr
FONTE: GIZMODO BRASIL
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