Estas quatro imagens mostram uma ilustração do processo de acreção sobre a estrela de nêutrons no sistema binário MXB 1730-335, também conhecido como "Rapid Burster".
Neste sistema binário, a atração gravitacional da estrela de neutrões remove gás da sua companheira estelar (uma estrela de baixa massa não apresentada nas imagens); o gás forma um disco de acreção e espirala em direção à estrela de nêutrons.
As observações de "Rapid Burster", usando três telescópios espaciais de raios-X - NuSTAR e o Swift da NASA e o XMM-Newton da ESA - revelaram o que acontece em redor da estrela de nêutrons antes e durante o que se chama de explosão de "tipo-II". Estas explosões são libertações súbitas, erráticas e extremamente intensas de grandes quantidades de raios-X durante períodos caracterizados por muito pouca emissão.
Antes da explosão, o campo magnético de alta rotação da estrela de nêutrons impede o avanço do gás que flui da estrela companheira e, efetivamente, cria uma divisão interna no centro de disco (imagem 1). Durante esta fase, apenas pequenas quantidades de gás vazam para a estrela de nêutrons.
No entanto, à medida que o gás continua a fluir e a acumular-se perto deste limite, gira cada vez mais depressa (imagem 2) e eventualmente alcança a velocidade de rotação do campo magnético (imagens 3 e 4). O gás atinge então a estrela de neutrões todo de uma só vez, dando origem à emissão dramática de explosões de tipo-II.
Crédito: ESA/ATG medialab
Cientistas, observando uma curiosa estrela de neutrões num sistema binário conhecido como "Rapid Burster", podem ter resolvido um mistério de 40 anos em torno das suas intrigantes explosões de raios-X. Eles descobriram que o seu campo magnético cria uma divisão em torno da estrela, impedindo-a de se alimentar da matéria da sua companheira estelar. O gás acumula-se até que, sob certas condições, atinge a estrela de nêutrons de uma só vez, produzindo flashes intensos de raios-X. A descoberta foi feita com telescópios espaciais incluindo o XMM-Newton da ESA.
Descoberto na década de 1970, "Rapid Burster" é um sistema binário compreendido por uma estrela de baixa massa no seu auge e uma estrela de nêutrons - o remanescente compacto da morte de uma estrela massiva. Em tal par estelar, a atração gravitacional do denso remanescente rouba algum do gás da outra estrela; o gás forma um disco de acreção e espirala em direção à estrela de nêutrons.
Como resultado deste processo de acreção, a maioria dos binários com estrelas de neutrões liberta continuamente grandes quantidades de raios-X, pontuados por flashes adicionais de raios-X a cada poucas horas ou dias. Os cientistas podem explicar essas explosões do "tipo-I", em termos de reações nucleares despoletadas no gás em queda - principalmente hidrogênio - quando este se acumula à superfície da estrela de nêutrons.
Mas "Rapid Burster" é uma fonte peculiar: quando está mais brilhante, emite estes flashes de raios-X e, durante períodos de emissão mais fraca, exibe explosões muito mais elusivas do "tipo-II" - libertações súbitas, erráticas e extremamente intensas de raios-X.
Em contraste com as explosões de tipo-I, que parecem não representar uma libertação significativa de energia em relação ao que normalmente é emitido pela estrela de neutrões em acreção, as explosões de tipo-II libertam enormes quantidades de energia durante períodos caracterizados pela ocorrência de muito pouca emissão (o output de energia de uma explosão, em relação ao processo normal de acreção, é dezenas a centenas de vezes superior nas explosões de tipo-II do que nas explosões de tipo-I).
Apesar de quarenta anos de pesquisas, as explosões de tipo-II só foram detetadas noutra fonte além de "Rapid Burster". Conhecido como "Bursting Pulsar" e descoberto na década de 1990, este sistema binário alberga uma estrela de baixa massa e uma estrela de nêutrons altamente magnetizada e de rápida rotação - um pulsar - que exibe apenas pulsos do tipo-II.
Devido à escassez de fontes que exibem este fenômeno, há muito tempo que se debatem os mecanismos físicos subjacentes, mas um novo estudo de "Rapid Burster" fornece uma primeira evidência do que está a ocorrer.
"'Rapid Burster' é o sistema arquetípico para investigar as explosões do tipo-II - é onde foram observadas pela primeira vez e a única fonte que mostra flashes do tipo-I e tipo-II," afirma Jakob van den Eijnden, estudante de doutoramento do Instituto Anton Pannekoek para Astronomia em Amsterdã, Países Baixos, e autor principal de um artigo publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Neste estudo, Jakob e colegas organizaram uma campanha de observação usando três telescópios espaciais de raios-X para saber mais sobre este sistema.
Sob a coordenação do coautor Tullio Bagnoli, também do mesmo instituto, a equipe conseguiu observar a fonte a explodir ao longo de alguns dias em outubro de 2015 com uma combinação do NuSTAR e Swift da NASA e o XMM-Newton da ESA.
Primeiro, monitorizaram a fonte com o Swift, cronometrando as observações para um período em que esperavam a ocorrência de uma série de explosões do tipo-II. De seguida, logo após a detecção da primeira explosão, os cientistas colocaram os outros observatórios em movimento, usando o XMM-Newton para medir os raios-X emitidos diretamente pela superfície da estrela de nêutrons ou pelo gás no disco de acreção, e o NuSTAR para detetar raios-X de mais alta energia, que são emitidos pela estrela de nêutrons e refletidos para fora do disco.
Com esses dados, os cientistas examinaram a estrutura do disco de acreção para entender o que acontece antes, durante e depois destas copiosas libertações de raios-X.
De acordo com um modelo, as explosões do tipo-II ocorrem porque o campo magnético em rápida rotação da estrela de neutrões mantém o gás que flui da estrela companheira, impedindo com que se aproxime da estrela de nêutrons e, efetivamente, criando uma divisão interna no centro do disco. Contudo, à medida que o gás continua a fluir e a acumular-se neste limite, gira cada vez mais depressa e eventualmente alcança a velocidade de rotação do campo magnético.
"É como se lançássemos algo para um carrossel que gira muito depressa: o objeto seria expelido, a menos que fosse atirado à mesma velocidade que a máquina," explica Jakob.
"Um ato de equilíbrio semelhante ocorre entre o gás em queda e o campo magnético giratório: desde que o gás não tenha a velocidade certa, não pode alcançar a estrela de neutrões e só pode acumular-se na orla. Quando atinge a velocidade certa, grande parte do gás está acumulado e atinge a estrela de neutrões de uma só vez, dando origem à dramática emissão das explosões de tipo-II."
Este modelo prevê que, enquanto o material está a ser acumulado, deverá formar-se uma lacuna entre a estrela de neutrões e a orla do disco de acreção.
Noutros modelos, os flashes intensos são explicados como decorrentes de instabilidades no fluxo do gás em acreção ou de efeitos relativistas gerais. Em qualquer um destes dois cenários, os flashes têm que ocorrer muito mais perto da estrela de neutrões e não dão origem a uma divisão.
"Uma lacuna foi exatamente o que encontramos em 'Rapid Burster'," comenta Nathalie Degenaar, investigadora do mesmo instituto e orientadora de doutoramento de Jakob. "Isto sugere fortemente que as explosões do tipo-II são provocadas pelo campo magnético."
As observações indicam a existência de um intervalo de aproximadamente 90 km entre a estrela de neutrões e a orla interna do disco de acreção. Embora nada impressionante em termos de escalas cósmicas, o tamanho da lacuna é muito maior do que a própria estrela de nêutrons, que tem um raio de aproximadamente 10 km.
Este achado está em linha com os resultados de um estudo anterior publicado por Nathalie e colaboradores, que observaram uma divisão semelhante em redor de "Bursting Pulsar" - a outra fonte conhecida que produz explosões do tipo-II.
No novo estudo de "Rapid Burster", os cientistas também mediram a força do campo magnético da estrela de nêutrons: com 6x10^8 G, é cerca de mil milhões de vezes mais forte do que o da Terra e, mais importante, mais de cinco vezes mais forte do que o de outras estrelas de nêutrons com uma companheira de baixa massa estelar. Isto pode indicar uma jovem idade para este sistema binário, sugerindo que o processo de acreção não ocorreu ainda durante tempo suficiente para amortecer o campo magnético, como se pensa ter acontecido em sistemas semelhantes.
Se esta estrela de nêutrons é realmente tão jovem quanto o seu forte campo magnético parece indicar, então espera-se que gire muito mais devagar do que as suas homólogas mais velhas: as medições futuras da rotação da estrela podem ajudar a confirmar este cenário invulgar.
"Este resultado é um grande passo na resolução de um puzzle com quarenta anos na astronomia de estrelas de nêutrons, ao mesmo tempo que revela novos detalhes sobre a interação entre campos magnéticos e discos de acreção nestes objetos exóticos," conclui Norbert Scharterl, cientista do projeto XMM-Newton na ESA.
Variações de brilho observadas no sistema binário MXB 1730-335, também conhecido como "Rapid Burster", pelo telescópio de raios-X NuSTAR da NASA.
Este sistema binário é compreendido por uma estrela de baixa massa no seu auge e uma estrela de nêutrons, que retira à sua companheira algum do seu gás; o gás forma um disco de acreção e espirala em direção à estrela de nêutrons.
"Rapid Burster" é a única fonte conhecida que exibe dois tipos de flashes de raios-X: as comuns explosões de "tipo-I", que ocorrem durante períodos de emissão brilhante e são compreendidas em termos de reações nucleares despoletadas à superfície da estrela de nêutrons, e as muito mais elusivas explosões do "tipo-II", que libertam enormes quantidades de energia durante períodos caracterizados pela ocorrência de muito pouca emissão.
A curva de luz do NuSTAR mostra o aumento de brilho durante uma explosão do tipo-II que foi observada em outubro de 2015. A observação fez parte de uma campanha de observação usando três telescópios espaciais de raios-X - o NuSTAR e o Swift da NASA e o XMM-Newton da ESA - com o objetivo de descobrir mais informações sobre este sistema.
Estas observações revelaram que, antes de tal explosão, o campo magnético de rápida rotação da estrela de nêutrons impede o gás da estrela companheira de seguir até à superfície e, efetivamente, criando uma divisão interna no centro do disco. No entanto, à medida que o gás continua a fluir e a acumular-se perto deste limite, gira cada vez mais depressa e eventualmente alcança a velocidade de rotação do campo magnético.
Crédito: imagem adaptada de van den Eijnden et al. (2017)
FONTE: http://www.ccvalg.pt/
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