Esta ilustração mostra como o calor e a pressão gerados pelos lasers possibilitam a formação de cubos de gelo superiônicos
A água esconde comportamentos que desafiam a lógica.
Se a submetemos a altas temperaturas, ela evapora. No entanto, se a temperatura for extremamente elevada e a pressão também, ela se cristaliza.
Por enquanto, é inútil tentar fazer este experimento em casa, mas sob condições ideais em laboratório é possível criar este "gelo quente".
Isso foi demonstrado por um grupo de cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL, na sigla em inglês), financiado pelo Departamento de Energia dos EUA.
De uma maneira geral, o gelo pode ter diferentes estruturas cristalinas, que os especialistas identificam com números e letras.
Por exemplo, o gelo fabricado a partir da água que bebemos é chamado de "gelo Ih", mas há outras variações que vão até o gelo XVII.
Agora, pesquisadores do LLNL afirmam ter conseguido produzir um novo tipo de gelo, que eles chamam de gelo superiônico ou gelo XVIII.
Os pesquisadores dispararam lasers contra uma fina camada de água
Gelo negro
Há cerca de 30 anos, os cientistas já haviam previsto que a água poderia assumir um estado incomum, em que uma camada sólida de oxigênio coexiste com hidrogênio líquido.
Esse estado é chamado de gelo superiônico e só existe sob pressões extremamente altas - de entre um milhão e quatro milhões de vezes a da atmosfera ao nível do mar.
A outra condição para que isso aconteça é que esteja sujeito a temperaturas entre 1,6 mil e 2,7 mil graus Celsius, o que equivale à metade da temperatura da superfície do Sol.
Neste novo experimento, o objetivo dos pesquisadores do LLNL era observar pela primeira vez a estrutura do gelo superiônico.
Para isso, os cientistas usaram seis lasers potentes que dispararam ondas de choque cada vez mais intensas contra uma fina camada de água em estado líquido.
O gelo pode ter várias estruturas moleculares distintas
Esses lasers foram capazes de gerar uma pressão e uma temperatura tão fortes quanto a que se supõe haver no interior de planetas como Netuno e Urano - cujos núcleos seriam formados por gelo superiônico.
Com isso, eles conseguiram fazer as partículas de oxigênio se cristalizarem, formando o gelo.
Tudo isso aconteceu em escala microscópica e apenas por poucos nanossegundos, mas foi o suficiente para os pesquisadores observarem a estrutura do gelo XVIII.
E qual a diferença deste gelo para o que produzimos no freezer de casa?
O gelo superiônico pode nos ajudar a entender a estrutura de planetas como Urano e Netuno
"É uma estrutura cúbica, mas seus átomos são organizados de maneira diferente, é mais denso", diz à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, a física Federica Coppari, uma das autoras do experimento.
"Macroscopicamente seria negro, e não transparente."
Planetas gelados
Para Coppari, uma das maiores conquistas desse experimento foi verificar, na prática, algo que até então era apenas teórico.
Mas as descobertas também podem ser úteis para entender melhor nosso sistema solar.
Como o interior de planetas gelados pode ser formado por gelo superiônico, saber mais sobre essa substância pode nos oferecer mais pistas sobre como a estrutura desses planetas e seu campo magnético funcionam - e como se comparam à Terra.
"Isso pode afetar drasticamente nossa compreensão da estrutura interna e da evolução dos planetas gigantes gelados, assim como de todos os seus numerosos primos fora do nosso sistema solar", afirmou o físico Marius Millot, coautor do estudo, em comunicado.
FONTE: BBC BRASIL
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