Gemêas solares são estrelas muito parecidas com o Sol em conteúdo químico, temperatura efetiva e gravidade superficial – Foto: Nasa/Solar Dynamics Observatory”
Nosso Sol é jovem para o nível relativamente baixo de lítio encontrado por astrônomos, e os planetas que o orbitam podem ser os responsáveis
Por Luiza Caires - Editorias: Ciências Exatas e da Terra
Um grupo de cientistas liderados por astrônomos da USP descobriu que nossa estrela tem menor quantidade de lítio do que deveria. Este elemento químico tem papel fundamental no entendimento da evolução do Universo e sua quantidade pode estar relacionada à existência de planetas orbitando outras estrelas.
Para entender como o Sol funciona, além de observá-lo diretamente através de diversos instrumentos dedicados, os astrônomos também observaram gêmeas solares, estrelas muito parecidas química e fisicamente com Sol, de diferentes idades. Isso ajuda a entender como o Sol foi formado e qual será o seu destino ao envelhecer. Quando a taxa de lítio de algumas gêmeas solares com idades diferentes entre si foi comparada pela primeira vez, os astrônomos encontraram que a quantidade medida no Sol era a esperada para a sua idade. Acontece que nessa época, poucas gêmeas solares eram conhecidas, o que poderia trazer alguma incerteza sobre os resultados. Quando o número de gêmeas solares catalogadas aumentou, foi possível fazer um tipo de comparação mais confiável.
O lítio é um elemento químico presente na atmosfera das estrelas e que tem sua quantidade diminuída conforme elas envelhecem – Foto: Dnn87 via Wikimedia Commons
O lítio é um elemento químico presente na atmosfera das estrelas e que tem sua quantidade diminuída conforme essas estrelas envelhecem. A diminuição de lítio que observamos pode ser explicada pelos movimentos de massa que ocorrem no interior estelar. Chamamos esses movimentos de convecção, algo análogo ao que ocorre numa panela com água fervendo. No interior de estrelas parecidas com o Sol, o material que está mais interno é mais quente e sobe em formato de bolhas. Ao chegar na parte de cima perde calor e afunda novamente, levando consigo parte do lítio que estava na atmosfera mais fria da estrela. Quando o lítio chega nas partes mais internas levado pela bolha, ele é destruído por conta da altíssima temperatura que encontra pelo caminho.
Esse ciclo de destruição do lítio acontece durante a maior parte da vida das estrelas parecidas com o Sol e por conta desse mecanismo, quanto mais velha uma estrela, menos lítio ela terá na sua atmosfera. Interessantemente, no modelo padrão do Sol, o movimento convectivo do Sol não afundaria o suficiente para destruir o lítio. Isso foi por várias décadas conhecido como o mistério do lítio no Sol, pois ele apresenta um conteúdo de lítio muito inferior ao lítio inicial do Sistema Solar.
Para se chegar à conclusão de que o conteúdo de lítio é destruído com o tempo dentro do Sol, os pesquisadores observaram e analisaram 77 gêmeas solares, estrelas muitíssimo parecidas com o Sol, e puderam comparar as suas propriedades químicas com o que observamos na nossa própria estrela. Para que o estudo fundamentasse uma descoberta de grande impacto, a comparação precisou considerar apenas as gêmeas solares com idades similares ao Sol (entre 4.1 e 5.1 bilhões de anos) de forma que o lítio esperado tivesse um valor equivalente à idade solar. O resultado surpreende: o Sol tem aproximadamente três vezes menos lítio em sua atmosfera do que as estrelas gêmeas solares da sua mesma idade, ou seja, esta é uma propriedade química anômala do Sol.
Além disso, eles viram que estrelas mais pobres em lítio são também mais pobres em elementos refratários (aqueles que formam planetas rochosos como a Terra). Essa característica em particular já foi apontada em outros importantes trabalhos como sendo uma propriedade típica de estrelas que hospedam planetas, já que esse material seria usado na formação planetária em vez ir parar na atmosfera estelar.
Em outras palavras, os resultados deste estudo liderado pelos astrônomos da USP poderão ser base para outras descobertas importantes ligadas à análise de estrelas e exoplanetas. Detectar uma deficiência de lítio no Sol poderia ser indício da presença de sistemas planetários em outras estrelas que também tenham a quantidade do elemento inesperadamente menor. Ainda, as informações reveladas ajudarão no entendimento do processo de formação e na busca de planetas ao redor de outras estrelas além do Sol, além de contribuir de na melhor compreensão da história do nosso próprio Sistema Solar e na procura por sistemas planetários como o nosso.
O trabalho foi descrito no artigo científico The Li-age correlation: the Sun is unusually Li deficient for its age, de Marília Carlos e colaboradores, que foi publicado na revista especializada Monthly Notices of the Royal Society. A autoria é de Marília Carlos, Jorge Meléndez (IAG-USP), Lorenzo Spina (Monash University, Austrália), Leonardo A. dos Santos (Observatoire de l’Université de Genéve, Suíça), Megan Bedell (Flatiron Institute, EUA), Iván Ramírez (Tacoma Community College, EUA), Martin Asplund (Australian National University – ANU, Australia), Jacob L. Bean (University of Chicago, EUA), David Yong (ANU), Jhon I. Galarza (USP) e Alan Alves-Brito (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS).
Com informações da pesquisadora Marília Carlos e do professor Jorge Meléndez
FONTE: jornal.usp.br
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