POR SALVADOR NOGUEIRA
As ondas gravitacionais atacam novamente. A equipe internacional responsável pelo LIGO (sigla inglesa para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro de Laser) anunciou nesta quinta-feira (1) ter feito mais uma detecção das marolas no espaço-tempo produzidas pela colisão de dois buracos negros.
Já é o terceiro evento do tipo detectado pelo observatório, composto por duas instalações gêmeas instaladas nos estados americanos de Washington e Louisiana, e o mais distante já visto: os buracos negros teriam colidido a nada menos que 3 bilhões de anos-luz da Terra.
As ondas gravitacionais são uma das previsões mais notáveis — e difíceis de confirmar — feitas por Albert Einstein, com sua teoria da relatividade geral. O famoso físico alemão previu que o movimento de objetos com massa pelo Universo produziria marolas no próprio tecido do espaço-tempo — contrações e dilatações — que se propagariam em todas as direções à velocidade da luz. Elas seria mais ou menos como ondas que se propagam na superfície de um lago depois que se atira uma pedra nele, mas transitando pelo próprio espaço.
O primeiro sucesso do LIGO foi anunciado com toda pompa e circunstância em 11 de fevereiro de 2016. Naquela ocasião, os cientistas reportaram a detecção da colisão de dois buracos negros, um com 29 vezes a massa do Sol e outro com 36, ocorrida a 1,3 bilhões de anos-luz de distância.
O resultado, fruto de observações feitas em 14 de setembro de 2015, foi em especial surpreendente porque de início os cientistas não esperavam encontrar buracos negros desse porte — eles pareciam grandes demais.
A segunda detecção, feita em 26 de dezembro de 2015 e anunciada em 15 de junho de 2016, estava mais de acordo com o que se esperava do Universo — novamente uma colisão de dois buracos negros, mas com massas mais modestas, respectivamente 14 e 8 vezes a do Sol.
Agora, a terceira detecção serviu como uma espécie de tira-teima. E, como o cosmos nunca cansa de nos surpreender, mais uma vez vimos uma dupla de buracos negros de porte inesperado. Não tão grandes quanto a primeira detecção, não tão pequenos quanto a segunda: 31 e 19 massas solares.
O achado veio, mais uma vez, não muito tempo depois que os detectores do LIGO foram religados, após um período de manutenção. Eles votaram a operar em novembro de 2016, e a terceira detecção, designada GW170104, foi feita no dia 4 de janeiro deste ano (note o padrão no código que os pesquisadores estão usando para designar os eventos: GW de “gravitational wave”, e a data, no formato AAMMDD).
DESCOBERTAS NOTÁVEIS
Os cientistas, naturalmente, ficaram animadíssimos com o novo achado, reportado em artigo técnico publicado nesta quinta-feira (1) no periódico “Physical Review Letters”. E não sem razão.
“O LIGO continua a fazer descobertas notáveis, fazendo a transição de experimento para observatório de ondas gravitacionais”, declarou France Córdova, diretor da Fundação Nacional de Ciência dos EUA, organização que financia o projeto. “Mas o mais importante é que cada detecção ofereceu muito mais do que só um ‘avistamento’. Lentamente, estamos colhendo dados que desvendam a origem e as características desses objetos, informando cada vez mais nosso entendimento do Universo.”
O mais surpreendente é que, até agora, dos seis buracos negros detectados, três já tinham mais de 20 massas solares de saída, e ao final todos os resultantes acabaram com mais de 20 massas solares. “Esses são objetos que não sabíamos que existiam antes que o LIGO os detectasse”, disse David Shoemaker, pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e porta-voz da colaboração científica LIGO, que envolve centenas de pesquisadores de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil.
Comparação entre as massas de buracos negros de porte estelar estudados por emissões de raios X e a população revelada pelo LIGO; o evento LVT é uma suspeita não confirmada de detecção de ondas gravitacionais (Crédito: Caltech)
“Acho que dá para dizer que buracos negros de 20-30 massas solares são bem mais comuns do que se imaginava, porque a comunidade científica quase não contava com eles”, disse ao Mensageiro Sideral Odylio Aguiar, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e participante da colaboração internacional que fez a descoberta. “Porém, dizer que eles são abundantes relativamente aos pares menos ‘gordinhos’, ainda não dá para saber. Precisamos detectar mais pares — melhorar a estatística.”
Os resultados do LIGO começam a cair muito bem com pesquisas paralelas que mostram a possibilidade de estrelas de alta massa colapsarem para formar buracos negros sem detonar como uma supernova — o primeiro caso foi descoberto recentemente e destacado pelo Mensageiro Sideral na última segunda-feira (29). Só assim, implodindo completamente antes que a detonação espalhasse boa parte da matéria para longe, uma estrela poderia acabar gerando um buraco negro com 20 ou mais massas solares.
EINSTEIN SURFA NA ONDA
Outro aspecto importante da nova detecção é a grande distância: cerca de 3 bilhões de anos-luz, mais que o dobro dos outros dois eventos registrados. É possivelmente o teste de alta precisão mais rigoroso ao qual foi submetida a teoria da relatividade geral — e, de acordo com os resultados, ela passou no teste com nota máxima. Claro, cientistas nunca escrevem artigos científicos com esse tom entusiástico. Neles, o pessoal da colaboração LIGO se limitou a dizer: “Constatamos que o GW170104 é consistente com a relatividade geral”. Tá bom demais.
Por fim, os pesquisadores puderam, baseados no sinal detectado, determinar que, provavelmente, os buracos negros em colisão não nasceram como um par de estrelas de alta massa. De acordo com o padrão de ondas observado, pelo menos um dos buracos negros estava girando em torno de seu próprio eixo em desalinho com sua translação ao redor do outro buraco negro. Se os dois fossem fruto de duas estrelas que estiveram pareadas desde o início, suas rotações estariam alinhadas com a translação.
Isso faz os astrofísicos levantarem as hipóteses de que os buracos negros nasceram como estrelas em regiões diferentes de um aglomerado estelar e provavelmente se encontraram mais tarde, num abraço gravitacional que culminou com a fusão. É uma boa pista também de como buracos negros supermassivos — aqueles que existem no coração de cada galáxia — podem nascer e crescer, partindo de múltiplas colisões de buracos negros de massa estelar. Mas é cedo para contar essa história em particular.
Aliás, duas coisas chamam atenção no campo nascente do estudo das ondas gravitacionais: primeiro, difícil não se encantar com o fato de que temos hoje teorias poderosas o suficiente para prever o desfecho de eventos altamente energéticos que acontecem do outro lado do Universo. Segundo, já começa a ficar claro que as possibilidades para testar nossas ideias mais radicais sobre o cosmos serão muito ampliadas por futuras detecções. Só temos três até agora. Mas e quando tivermos 30? Ou 300? Isso certamente nos oferecerá um censo importante de toda a variedade possível entre os buracos negros e possivelmente também entre suas irmãs mais modestas, as estrelas de nêutrons.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
Comentários
Postar um comentário