Por Ryan F. Mandelbaum
Em 1998, duas equipes publicaram artigos com os resultados dos primeiros cálculos quânticos. No entanto, os primeiros computadores quânticos não eram computadores. Eram equipamentos bioquímicos que utilizavam a mesma ciência que estava por trás das máquinas de imagem por ressonância magnética.
Você pode pensar em computação quântica como uma corrida entre empresas de tecnologia para a construção de um poderoso dispositivo de processamento que tornará a inteligência artificial mais real, revolucionará a medicina e será capaz de quebrar a criptografia que protege nossos dados.
E, de fato, os protótipos dos computadores quânticos do final da década de 1990 nos levaram indiretamente aos computadores quânticos desenvolvidos pelo Google e pela IBM. Mas não foi assim que tudo começou – na verdade, os responsáveis foram físicos que estavam mexendo com equipamentos matemáticos e bioquímicos por curiosidade.
“Não foi motivado de forma alguma pela criação de computadores melhores”, conta Neil Gershenfeld, diretor do Centro de Bits e Átomos do MIT e membro de uma das duas equipes que realizaram, pela primeira vez, experimentalmente, algoritmos quânticos. “O motivo era entender se o universo computa e como o universo computa.”
Pra que computação quântica?
Computadores são sistemas que iniciam com uma entrada e, a partir disso, aplicam uma série de instruções para que se obtenha uma saída. Os computadores de hoje traduzem entradas, instruções e saídas em interruptores, chamados bits, que são iguais a zero ou um e cujos valores controlam outros interruptores.
Há muito tempo, os cientistas usam computadores para simular as leis da física, com a expectativa de entender melhor como o universo funciona – por exemplo, você pode simular até onde uma bola vai, com base em seu ponto de partida e no quão rápido ela é lançada.
Mas usar bits para simular a física não fazia muito sentido para o famoso físico Richard Feynman, uma vez que as leis da física na menor escala estão enraizadas em um conjunto de regras chamadas de mecânica quântica.
“A natureza não é clássica, puxa, e, se você quiser fazer uma simulação da natureza, é melhor torná-la mecânica quântica”, disse Feynman em uma conferência de 1981 que ficou bastante famosa.
Um pequeno grupo de cientistas criou teorias sobre o uso dessas regras para criar simulações melhores durante a década seguinte. Em vez de interruptores, os bits da simulação quântica são ondas de partículas duplas da mecânica quântica.
Cada bit quântico ainda estaria restrito a duas possibilidades, mas, como ondas, elas podem assumir qualquer um desses estados simultaneamente com diferentes forças, interagindo umas com as outras como ondas oceânicas – amplificando a força de certas combinações de escolhas ou cancelando combinações.
Porém, uma vez que esses bits quânticos são medidos, cada um deles imediatamente se encaixa em um único estado. Essas forças, ou amplitudes, traduzem-se na probabilidade de ter cada resultado.
No início da década de 1990, “as pessoas pensavam que a computação quântica era basicamente maluca, e muitos tinham (supostamente) provado que ela nunca poderia funcionar”, conforme conta Jonathan Jones, professor de física da Universidade de Oxford e que foi um dos primeiros a executar algoritmos quânticos em um computador quântico real.
As pessoas pensavam que se tratava apenas de uma curiosidade criada por físicos teóricos que se perguntavam se poderiam entender o próprio universo na linguagem dos computadores. Também parecia que a delicadeza da mecânica quântica – o fato de que qualquer pequeno empurrão poderia rapidamente romper qualquer bit quântico (qubits) e transformá-lo em partículas de estado único – a tornaria impossível de se realizar.
Virada no jogo
Dois acontecimentos marcantes acabaram com essas ideias. O físico Peter Shor revelou um algoritmo em 1994 que mostrava que um computador baseado em qubits poderia fatorar grandes números de forma quase que exponencialmente mais rápida do que os melhores algoritmos baseados em bits.
Se os cientistas pudessem inventar um computador quântico avançado o suficiente para executar o algoritmo, ele poderia quebrar sistemas de criptografia modernos, já que é fácil para os computadores clássicos multiplicar dois grandes números primos juntos, mas muito, muito difícil de levar o resultado de volta aos primos.
O segundo ponto importante veio em meados dos anos 1990, quando os físicos começaram a desenvolver a correção de erros – a ideia de espalhar um único qubit de informação por meio de uma série de qubits correlacionados para diminuir os erros.
Mesmo assim, o campo era limitado, e os físicos com quem conversamos discutiam suas ideias em conferências nas quais a maioria dos cientistas de computação quântica do mundo caberia numa única sala.
Intersecção de campos
Os precursores da computação quântica, como Charlie Bennett, Isaac Chuang, Seth Lloyd e David DiVincenzo, tinham muitas ideias que se espalharam rapidamente na comunidade. Quase simultaneamente, vários grupos independentes perceberam que a indústria médica e bioquímica há muito tempo usava um computador quântico na pesquisa – via Ressonância Magnética Nuclear, ou NMR.
NMR, a tecnologia por trás da ressonância magnética, geralmente consiste em uma molécula de interesse dissolvida em um solvente líquido e colocada em um forte campo magnético. Os núcleos dos átomos nessas moléculas têm uma propriedade mecânica quântica inata chamada “spin”, que é basicamente a menor unidade de informação magnética e pode estar em qualquer um dos dois estados, “para cima” ou “para baixo”. Esses “spins” se alinham com a direção do campo.
Na medicina e na bioquímica, os cientistas atingem as moléculas com campos magnéticos oscilantes adicionais menores, chamados pulsos de radiofrequência, fazendo com que os átomos libertem sinais característicos que oferecem informações físicas sobre a molécula. As máquinas de ressonância preferivelmente usam esse sinal para criar uma imagem.
Os físicos perceberam que poderiam tratar certas moléculas nesse campo magnético como computadores quânticos, onde os núcleos serviriam como qubit, os estados de spin seriam valores qubit, e os pulsos de radiofrequência seriam simultaneamente as instruções e os controladores. Essas são as operações dos computadores quânticos, também chamados de portas lógicas, assim como são chamados nos computadores clássicos.
“Em um sentido, a ressonância magnética nuclear estava realmente à frente de outros campos durante décadas,” disse Jones, um bioquímico que se juntou ao físico Michele Mosca para executar um dos primeiros cálculos quânticos. “Eles tinham feito portas lógicas nos anos 1970. Eles simplesmente não sabiam o que estavam fazendo e não chamavam de portas lógicas.”
Os primeiros algoritmos quânticos
Físicos como Chuang, Gershenfeld e David Cory publicaram trabalhos detalhando como descobriram esses dispositivos em 1997. Um ano depois, duas equipes, uma com Jones e Mosca e outra com Chuang e Mark Kubinic, fizeram os algoritmos quânticos.
O primeiro consistiu em moléculas de citosina em que dois átomos de hidrogênio tinham sido substituídos por átomos de deutério – hidrogênio com um nêutron. O último usou moléculas de clorofórmio. Eles prepararam os qubits em estados iniciais, executaram um cálculo aplicando um pulso de radiofrequência especialmente criado e mediram os estados finais.
Nós não ouvimos muito sobre computadores quânticos NMR hoje em dia. Isso porque os físicos sabiam que a técnica tinha seus limites, e todo mundo com quem conversei mencionou isso. Mais qubits significaria moléculas mais especialmente criadas. As técnicas se baseavam em gambiarras, de tal forma que cada qubit adicional tornaria mais difícil tirar o sinal do ruído de fundo. “Ninguém pensou que isso seria usado para mais do que uma demonstração”, disse Jones. A técnica simplesmente não teria escala para além de alguns resultados.
Ainda assim, eram experiências importantes, e os físicos ainda conversam sobre elas. As máquinas NMR continuam a ser cruciais para a bioquímica e ainda têm um lugar na tecnologia quântica. Mas esse trabalho inicial deixou um impacto importante e indireto no campo.
Repercussão nos dias de hoje
A ciência por trás desses pulsos de radiofrequência tem tido repercussão nos computadores quânticos que o Google, a IBM e outras empresas desenvolveram, sempre com o objetivo de controlar os qubits. Os computadores quânticos que executam o algoritmo de Shor ainda estão a décadas de distância, mas as empresas começaram a mostrar dispositivos reais com dezenas de qubits que podem realizar cálculos rudimentares e claramente quânticos.
Charlie Bennet, consultor da IBM e veterano em computação quântica, explicou que esses experimentos não eram descobertas enormes por si só, e, na verdade, a comunidade NMR vinha avançando em sua própria ciência, antes da computação quântica aparecer.
Os físicos com quem falei explicaram que ninguém “ganhou” e que não houve “corrida” no final da década de 1990. Em vez disso, foi um ponto de transição ao longo de uma estrada de avanços incrementais, um ponto no tempo em que grupos de cientistas vieram a perceber que os seres humanos tinham a tecnologia para controlar estados quânticos e usá-los para computações.
“A ciência é sempre assim. Toda a evidência é mais importante do que quase qualquer outro artigo”, disse Bennett. “Há descobertas importantes – mas estas raramente ocorrem em artigos individuais.”
FONTE: GIZMODO BRASIL
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