
A matemática representada no filme "Estrelas Além do Tempo" completou 100 anos. Conheça a história deste ícone feminista e negro - que mudou o mundo
Por Ingrid Luisa
Quando o astronauta John Glenn estava prestes a pegar seu voo para o espaço – e se tornar o primeiro norte-americano a dar dar voltas na órbita da Terra -, ele se certificou se todos os cálculos da missão foram checados “pela garota”. O ano era 1962, a missão se chamava Freedom 7, e ninguém confiou o sucesso da operação a cálculos de computadores digitais – relativamente novos e não testados na época. Katherine Johnson, uma americana negra de 44 anos, era “a garota”. A mulher confirmou todos os cálculos a mão. “Se ela afirmou que os números estão certos, estou pronto para ir”, disse Glenn. E a Freedom 7 foi um sucesso.
Esse acontecimento é retratado em uma das cenas do emocionante filme Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2017), baseado no livro homônimo que conta a história de três mulheres negras que mudaram a história da NASA. Sem o intelecto privilegiado dessas mulheres, os Estados Unidos certamente teriam perdido a corrida espacial contra os russos.
Muito mais que mudar a vida dos homens, Katherine mudou a vida e as possibilidades das mulheres. A matemática completou 100 anos em 26 de agosto, coincidentemente no Women’s Equality Day americano. Para celebrar esse feito, entenda como Katherine foi muito mais que apenas um “computador” da NASA.
Katherine prodígio
Nascida Katherine Coleman, na cidade de White Sulphur Springs, Virginia, a cientista sempre foi uma criança além de seu tempo. Mostrando talento para a matemática desde cedo, ela começou o Ensino Médio com apenas 10 anos, e aos 14 se formou no colegial. Com essa idade, ela entrou em uma HBCUs (Universidades e Faculdades exclusivamente para negros), onde fez fez todos os cursos de matemática oferecidos.
Lá, ela encontrou no professor W. W. Schieffelin Claytor, o terceiro americano negro a obter um PhD em Matemática. Se tornou um mentor. Aos 18 anos, Katherine se formou com todas as honrarias e saiu com diplomas de licenciatura em francês e matemática. Logo ela assumiu um emprego de professora em uma escola pública para negros, na Virgínia.
Katherine Mãe
Quando a Virgínia Ocidental decidiu gradualmente integrar negros e brancos em seus cursos de pós-graduação, em 1939, Katherine e dois homens negros foram os primeiros alunos a serem convidados para a principal Universidade do estado, a West Virginia University. Katherine deixou seu emprego de professora e se matriculou no programa de pós-graduação em matemática. Mas, no final do primeiro ano, uma Katherin grávida decidiu deixar os estudos para se dedicar ao marido e a família.
Katherine Moore, filha mais nova da matemática e que já se referiu a mãe como “a definição de destemida”, alegou que em casa ela era “apenas a mamãe”. A filha contou que a mãe ensinou a ela e as suas duas irmãs coisas básicas como arrumar a cama e costurar. E nunca lamentou da vida “ela costumava dizer que era isso. Sim, eramos segregadas, mas nós vivemos nossas vidas”. Quando as filhas ficaram mais velhas, Katherin voltou a lecionar em escolas. Mas só em 1952 que sua vida mudou radicalmente.
Katherine “computador”
Em 1952, um parente contou a Katherine sobre as vagas abertas na “Unidade de Computação da Área Oeste” do Laboratório Langley, pertencente ao Comitê Nacional para Aconselhamento sobre Aeronáutica, NACA (National Advisory Committee for Aeronautics, o precursor da NASA). Essa seção era só para mulheres negras, que eram verdadeiros computadores humanos fazendo cálculos e mais cálculos para embasar as pesquisas feitas por cientistas — brancos. No verão de 1953 Katherin começou a trabalhar lá. Após apenas duas semanas, pela sua qualidade acime da média, já lhe foram conferidas tarefas importantes como investigar os erros matemáticos que resultaram em uma queda de avião.
Em 4 de outubro de 1957, quando o satélite soviético Sputnik se tornou o primeiro satélite artificial lançado ao espaço, ele não mudou apenas os cursos da Guerra Fria. Mas também a vida de Katherin Johnson. Quando uma subdivisão da NACA finalmente originou a NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), Katherin, por já ter feito cálculos para vários cientistas, foi junto para a nova empreitada. Os EUA estavam perdendo a corrida espacial, era ora das melhores cabeças em plena ação. Logo, em 1960, Katherin assinou, junto como o engenheiro Ted Skopinski, seu primeiro relatório para a NASA. Ela foi a primeira mulher da sua área a receber créditos por um relatório de pesquisa.
Katherine exemplo
Quando pediram para Katherine nomear sua maior contribuição para a exploração espacial, a matemática deu as honras aos cálculos que ajudaram a tornar realidade o Programa Apollo, que acabou levando o homem a Lua. Mas seus feitos acadêmicos vão além: em 33 anos de contribuição, ela escreveu 26 relatórios espaciais e participou da realização do Ônibus Espacial e do Satélite de Recursos Terrestres. “Eu adorava ir trabalhar todos os dias”, disse. Em 1986, a matemática se aposentou da NASA.
Sua história, no entanto, serviu de exemplo para toda uma geração de mulheres que sonhavam em trabalhar com o espaço. Jasmine Byrd, que trabalha atualmente no mesmo lugar um dia ocupado por Johnson, contou a NASA sobre sua admiração: “Eu sou grata pela ponte que Katherine construiu para que alguém como eu possa atravessar facilmente”, disse. “Isso me ajuda a não pensar nesta oportunidade como certa. Eu sei que havia pessoas antes de mim que trabalharam muito e passaram por muitas turbulências para garantir que fosse mais fácil para pessoas como eu.”
Jasmine, assim como Katherine, é negra. E as dificuldades enfrentadas por Johnson por ser negra vão além do óbvio, como foi mostrado no filme: além de ficar em área segregada, a matemática teve que lidar com a sua supervisora branca, interpretada por Kirsten Dunst. Ela era uma típica mulher resultado do feminismo da primeira onda, na década de 1960, que se preocupava em se afirmar no trabalho (tentando se mostrar competente a todo custo por receio do preconceito de gênero), mas ao mesmo tempo usava isso para exceder poder sobre outras mulheres. O senso de superioridade da personagem é nítido, e vem exclusivamente do privilégio racial.
Em 2015, aos 97 anos, Katherine Johnson acrescentou outra conquista extraordinária à sua longa lista: o presidente Obama lhe concedeu a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil dos EUA. Em 2017, ela recebeu um prédio na NASA com seu nome, o Centro de Pesquisa Computacional Katherine G. Johnson. Kimberly Bloom, diretora do Centro de Desenvolvimento Infantil de Langley, que trabalha ao lado do prédio de Katherine, disse “É uma história importante – como ela fortaleceu mulheres de todas as raças. Ela certamente é um modelo”.

Foto/NASA
FONTE: REVISTA SUPER INTERESSANTE
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