O físico Usama Hussain ria desconfortavelmente toda vez que a conversa chegava simplesmente perto da pergunta: “Você procura por nada?” Seus professores o matariam se ouvissem-no concordar com isso. Afinal, tecnicamente, ele está procurando por uma partícula novinha em folha que pode ou não existir na esperança de que isso possa ajudar a explicar um pouco da esquisitice do universo.
Mas a caçada por uma nova partícula (mesmo o famoso bóson de Higgs) é uma busca por algo que se dá encontrando tudo sobre o nada. Ela exige a confirmação de todos os lugares que não podem ser e a compreensão de todas as propriedades que não tem. Então, o que resta disso tudo é a descoberta. É como moldar uma escultura a partir do mármore. Você põe todo seu esforço removendo o nada e talvez você acabe com alguma coisa. Ou talvez não.
“Qualquer coisa que aconteça, mesmo que não encontremos nada, será uma revolução.”
E encontrar nada onde teorias bem aceitas previram algo é igualmente importante. Isso poderia mandar os teóricos de volta ao quadro de desenhos e exigir que físicos repensassem sua compreensão sobre o universo. Nessa nova era do Velho Oeste da caçada por partículas, “qualquer coisa que aconteça, mesmo que não encontremos nada, será uma revolução”, contou-me o físico James Beacham, da Universidade Estadual de Ohio, enquanto tomávamos uma cerveja na cafeteria do CERN, em Genebra, na Suíça.
Então o nada, na física de partículas, pode ser tudo.
Quanto à busca pelo nada, “você está checando uma caixa — não está aqui”, explicou Hussain. Físicos têm um nome para esse nada: resultados nulos. “Você ainda está, de certa maneira, fazendo uma contribuição. Você está garantindo que outras pessoas não procurem no mesmo lugar.”
Hussain cresceu no Paquistão. Seu pai era apaixonado por física de partículas, já que um dos dois vencedores de Prêmio Nobel do país era o físico de partículas Abdus Salam. Essa paixão passou para o jovem Hussain, que agora é um estudante de Ph. D. no CERN e na Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. Lá, ele faz parte de uma pequena equipe de caça por física exótica, como um prospector de petróleo que busca por novas partículas em território inexplorado, partículas que possivelmente não existem.
“Estamos realmente em território inexplorado em questão de física.”
O Grande Colisor de Hádrons do CERN em Genebra, na Suíça, esmaga bilhões de prótons de alta energia, transformando a energia em partículas mais ou menos via o cálcula E=mc², de Albert Einstein. Essas partículas decaem em outras partículas que os detectores gigantes do Grande Colisor de Hádron, como ATLAS, CMS, LHCb e ALICE, podem enxergar, soltando dados sobre os quais os físicos passam seu tempo se debruçando. Os dados são como uma grande caixa de pratos quebrados, junto com uma lista (de leis existentes da física) de quantos pratos foram para dentro da caixa e como todos eles se parecem. Cada equipe de físicos passa seu tempo tentando reconstruir um tipo específico de prato (sua partícula hipotética), mas fazem isso de diferentes maneiras. Talvez um time apenas use pedaços pequenos para encontrar seus pratos. Outro apenas observa pratos quebrados ao meio. Essas são as diferentes combinações de maneiras que partículas individuais podem decair — frequentemente, não conseguimos ver novas partículas, apenas seus restos, as partículas mais comuns para as quais elas rapidamente decaem.
Todos os cientistas estão esperando que, depois de colar todos os pratos da lista, haverá fragmentos suficientes restando para criar algo que não estava ali — novas ideias de física explicadas por novas partículas subatômicas.
Portanto, o que eles realmente estão fazendo é garantir que as leis da física fazem se confirmam, que todas as peças se encaixam juntas corretamente, mas torcendo e esperando que isso não aconteça. Praticamente todos os experimentos de física de partículas funcionam dessa maneira em algum nível. Os pesquisadores do Higgs precisaram reconstruir inúmeros pratos antes de finalmente ter fragmentos suficientes para reconstruir sua partícula há cinco anos. Pesquisadores de matéria escura estão construindo cubas cada vez maiores de xénon líquido para reconstruir sua hipotética partícula, o que pode explicar por que observações astrofísicas implicam que devia haver muito mais massa no universo do que o que a massa normal pode oferecer. Vários estudos de física contêm esses resultados nulos, anotações para outros pesquisadores de que todos seus pratos estão colados e não restou nada — nenhuma partícula nova.
Quando o Grande Colisor de Hádrons se tornou operacional em 2009, após o incidente em 2008, as coisas eram diferentes. Havia mais pistas: colisores anteriores, como o acelerador Teyatron, em Illinois, nos Estados Unidos, e o antecessor do Grande Colisor de Hádrons, o Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons, já haviam descoberto parte do nada, por exemplo. Mas agora, depois da descoberta de Higgs, na busca de Hussain por nova física (e na de vários outros físicos), existem menos dicas e menos teorias amplamente aceitas.
“Estamos realmente em território inexplorado em questão de física”, disse Hussain. “A pequena esperança sempre existe” de que sua equipe vá descobrir uma nova partícula — ele está buscando especificamente por algo chamado de partícula Z’ (“Z-prime”). A Z’ seria uma espécie de meio espiritual que se comunica tanto com a matéria normal quanto com a matéria escura, aquela coisa misteriosa que explica aquela massa misteriosa que os cientistas pensam observar, mas não conseguem explicar de outra maneira senão por meio de observações com telescópios (há também a matéria escura, que compõe maior parte da energia de massa do universo, mas não precisamos falar dela agora). Os fragmentos da partícula Z’ consistem do que parece um jato fino de partículas subatômicas com alguma energia desaparecida.
“Teria sido muito radical, extremamente especial, se eu tivesse visto algo.”
E para garantir que o fato de que ele queira ver uma nova partícula não o faça encontrar algo que não está de fato lá, Hussain não é sequer permitido a olhar em lugares onde pode haver algo. Esse processo, chamado de análise cega, exige que os físicos construam sua análise com dados simulados e então abram a caixa metafórica para dados não analisados do Grande Colisor de Hádrons posteriormente. É como se eles quebrassem pratos feitos para treino, construíssem um algoritmo computacional de reconstrução de pratos especial e então usassem esse mesmo algoritmo quando de fato conseguissem os dados do Grande Colisor de Hádrons.
Hussain recentemente espiou dentro da caixa. “Eu ‘desocultei’ um terço dos dados (que estavam disponíveis à época) para ver como eles estão se saindo com a nossa simulação.” Ou seja, ele aplicou sua análise teórica a uma fração do dado real. “Teria sido muito radical, extremamente especial, se eu tivesse visto algo”, disse. “Quando eu estava ‘desocultando’ os dados, fui realista ao imaginar que não veria nada.” Ele não viu mesmo.
Não dá para dizer demais o quão normal a posição de Hussain é. Existem várias ideias para novas físicas. Algumas teorias dizem que as duas dúzias de partículas que descobrimos compõem apenas cerca de metade das possíveis. Alguns dizem que a matéria escura consiste de novas partículas. Alguns acham que a partículas devem decair de maneiras nunca antes vistas, quebrar em pedaços em combinações inesperadas. E testar maioria dessas ideias exige procurar pelo nada. Os repórteres fazem o seu melhor para fazer os resultados nulos parecerem interessantes, enquanto outros os fazem soar bem chatos. Mas muitos físicos acham que esses resultados são interessantes por si só.
“A totalidade dos resultados nulos é o único jeito” de se fazer física, disse Beacham. “A metáfora que uso é a criação de mapas, a cartografia. Você precisa fazer uma varredura em todo o alcance possível que você tem à sua disposição.”
Mas qual é a sensação de procurar por nada? Bom, os cargos na física de partículas são incrivelmente concorridos, de acordo com uma reportagem da Science, portanto, claramente, os estudantes querem fazer isso. Hussain fala animadamente sobre sua pesquisa.
“Você só sabe o que é verdade se souber tudo o que não é.”
Se tudo isso parece deprimente, essa é a maneira como a ciência supostamente deve funcionar. De acordo com a The Scientist, o renomado filósofo Karl Popper uma vez disse que “toda refutação deveria ser considerada um grande sucesso; não meramente um sucesso do cientista que refutou a teoria, mas também do cientistas que criou a teoria refutada e que, portanto, sugeriu em primeiro lugar, mesmo que indiretamente, o experimento de refutação”.
Os físicos celebram alguns tipos de resultados nulos. Albert Michelson e Edward Morley encontraram o nada quando buscavam por um meio especial pelo qual ondas de luz deveriam viajar, lá em 1887. Esse nada levou a uma das importantes teorias da física para explicar parte da esquisitice da luz — a teoria da relatividade especial de Einstein.
Você só sabe o que é verdade se souber tudo o que não é. Mas resultados nulos não são tão bem aceitos em outros campos. “Chegar a um resultado nulo em algum nível na física é muito mais significativo do que em outros campos”, disse Laura Dodd, outra estudante de pós-graduação da Universidade de Wisconsin, em Madison, e do CERN, em entrevista ao Gizmodo. Já se sabe há muito tempo que a pesquisa médica e outros campos podem deixar de publicar não-descobertas. Procurar por resultados positivos pode levar a um viés, à pressão de não relatar resultados negativos e não-reproduzíveis. “Outros campos se beneficiariam mais tendo mais resultados nulos”, ela disse.
No fim da minha conversa por Skype com Hussain, ele estava satisfeito que eu não quis dizer que estava procurando por nada, mas, em vez disso, que, na física, a maneira como você procura por algo requer procurar por nada.
Isso não significa que exista algo a ser encontrado, é claro. Hussain vai, em breve, desocultar o resto de sua análise, executando seu código em dados oito vezes maiores do que os que ele já tem. “Não sei”, riu novamente. “A probabilidade é realmente baixa, mas eu não diria que é zero. Estou muito animado.”
Essa reportagem foi parcialmente financiada por uma doação da National Science Foundation.
FONTE: GIZMODO BRASIL
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