Segundo Aristóteles e Platão, o universo era uma esfera finita. O seu último limite era primum mobile, cujo movimento diurno era atribuído a uma entidade transcendental – Deus – da qual não fazia parte o universo. Se por um lado, o deslocamento das estrelas fixas era regido pelo movimento dessa esfera, na qual Ptolomeu havia catalogado 1.022 estrelas agrupadas em 48 constelações, por outro lado, cada planeta estava incrustado em uma esfera transparente responsável pelo seu movimento no firmamento.
Copérnico conservou a idéia dos planetas incrustados em esferas sólidas, mas considerou que o movimento aparente das estrelas teria origem no movimento de rotação da Terra. Além de preservar a noção de um centro imóvel, ocupado pelo Sol em lugar da Terra, o astrônomo polonês não expressou nenhuma opinião relativa à posição ocupada pelas estrelas; se elas se situavam a uma distância do centro sobre uma esfera fixa, assim como não tinha nenhuma idéia de que o universo fosse infinito. Ao contrário, manteve o mesmo esquema ptolomaico das esferas concêntricas de um cosmo fechado e finito que tinha como centro fixo o Sol em lugar da Terra.
Na segunda metade do século XVI, as teorias de Copérnico começaram a se difundir através da Europa. Ainda que Giordano não tenha completamente aceitado as preferências matemáticas de Copérnico e as especulações e preferências matemáticas copernicanas, Bruno defendia o ponto de vista heliocêntrico segundo o qual a Terra não era o centro do universo e extrapolou algumas conseqüências mais radicais com relação à cosmologia da sua época.
Alguns astrônomos da geração de Bruno aceitavam o modelo heliocêntrico de Copérnico. Dentre eles os alemães Michael Maestlin, e Cristoph Rothmann e o inglês Thomas Digges, autor do A Perfit Description of the Caelestial Orbes. Galileu e Johannes Kepler ainda eram bem jovens. Bruno não era propriamente um astrônomo, mas um dos primeiros a aceitar o copernicanismo como uma visão de mundo, rejeitando o geocentrismo. Nos seus trabalhos publicados entre 1584 a 1591, Bruno defendeu com entusiasmo as idéias de Copérnico.
Segundo Bruno, a teoria de Copérnico estava em contradição com a visão que se tinha da esfera celeste, imutável, incorruptível e superior à região terrestre. Além do modelo heliocêntrico, Bruno imaginava o universo no qual – como imaginou Plotino no século III ou como Blaise Pascal no século XVII – o seu centro estava em todos os lugares e sua circunferência em lugar nenhum, uma antecipação da teoria da relatividade de Einstein no início do século XX.
Ao contrário, Bruno acreditava – como atualmente é universalmente aceito – que a Terra se deslocava no espaço e que o movimento de rotação aparente diurno do céu era uma ilusão causada pela rotação da Terra ao redor do seu eixo. Ele também não via nenhuma razão para acreditar que a região estelar fosse finita ou que todas as estrelas estivessem eqüidistantes de um ponto central do universo. Como, aliás, esta visão era similar a que Thomas Digges expôs em sua obra A Perfit Description of the Caelestial Orbes (1576). No entanto, Digges considerava que a região infinita além das estrelas seria a residência de Deus, dos anjos e do Paraíso. Ele conservou a noção ptolomaica das esferas planetárias, considerando a Terra como o único sítio onde existia vida e o único lugar imperfeito e mutável em comparação com o firmamento (céu), onde reinava a perfeição e a imutabilidade.
Em 1584 Bruno publicou dois importantes diálogos filosóficos, no qual questionava a existência das esferas planetárias. Dois anos mais tarde, Rothmann defendeu a mesma idéia, em 1586, assim como o fez Tycho Brahe, em 1587. O espaço do céu infinito de Bruno era preenchido com alguma substância, ar puro, éter ou espíritos – que não oferecia resistência aos corpos celestes que, segundo Bruno, em vez de estar fixado, movia-se sob o seu próprio impetus (ímpeto); mas numa visão mais dramática, Bruno abandonou a idéia de um universo hierárquico; a Terra não mais um corpo celeste como o Sol. Deus não tinha nenhuma relação particular para uma parte do universo infinito mais que nenhum outro. Deus, segundo Bruno, estava tão presente sobre a Terra como no céu. Um Deus inerente (imanente) em vez de ser uma remota divindade celeste.
Bruno também afirmou que o universo era homogêneo, composto de quatro elementos: água, terra, fogo e ar. As estrelas eram compostas de um elemento especial chamado de quintessência. Essencialmente, as mesmas leis físicas ocorriam em todos os locais; no entanto, o uso desse termo é anacrônico. O espaço e o tempo eram ambos concebidos como infinitos. Não havia razão para que o universo fosse estável e permanente para as noções cristãs da Criação divina e do Último Julgamento sob esse modelo; o Sol era simplesmente mais uma estrela e todas as estrelas sóis, cada uma possuía seu próprio sistema de planetas. Bruno via o sistema solar formado de um sol e/ou estrela com planetas como uma unidade fundamental do universo. Segundo Bruno, Deus infinito necessariamente criou um universo infinito, constituído de um número infinito de sistemas solares, separados por uma vasta região preenchida de éter, pois o espaço vazio não podia existir. Os cometas faziam parte de um synodus ex mundis de estrelas e não – como outros autores defendiam na sua época – criações efêmeras, instrumentos divinos ou mensageiros celestes. Cada cometa era um mundo, um corpo celeste permanente, formado dos quatro elementos.
A cosmologia de Bruno era marcada pela infinitude, homogeneidade e isotropia, com sistemas planetários distribuídos de maneira uniformemente por toda parte e por todo o tempo. A matéria, além de obedecer a um princípio ativamente animistico, era profundamente inteligente e descontínua em sua estrutura, constituída por átomos distintos e descontínuos. Esse animismo – o que corresponde a um desprezo às matemáticas como um meio de compreender o universo -constituiu uma das mais dramáticas referências à cosmologia de Bruno, ao contrário de outras idéias por ele defendidas e que difere do que hoje se considera da imagem que se faz de um senso comum do universo.
FONTE: Texto do falecido Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, foi astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 75 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2006/ Via http://www.tribunapr.com.br/
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