Imagem da Terra e da Lua feita por uma câmera saudita no microssatélite chinês Longjiang-2 / DSLWP-B, uma parte da missão Chang`e-4.
A missão Chang`e-4 pode gerar importantes efeitos na ciência e na política da Terra
A China está, mais uma vez, às vésperas de um primeiro passo histórico em sua acelerada trajetória de exploração lunar.
Tendo enviado três missões anteriores para a Lua desde 2007, incluindo uma que transportou o primeiro módulo de pouso e jipe robótico chineses, a mais recente incursão lunar da China começou na madrugada de 8 de dezembro de 2018, quando o foguete Long March-3B foi lançado do Centro de Lançamento de Satélites Xichang na província de Sichuan, sudoeste da China, transportando a espaçonave Chang`e-4. A missão conta com um módulo de pouso e um jipe robótico e tem como alvo o lado mais distante da Lua, o hemisfério lunar que está sempre de costas para a Terra. Nenhuma espaçonave jamais conseguiu aterrissar lá antes, embora em 1962 a NASA tenha derrubado a sonda Ranger 4 nessa região longínqua.
Após o lançamento e a viagem de 4 a 5 dias em direção à Lua, a Chang`e-4 entrou em uma órbita lunar elíptica para aguardar o encontro com seu destino. As autoridades chinesas não anunciaram publicamente quando a Chang`e-4 tentará realizar um pouso, mas a maioria dos especialistas suspeita que ele ocorrerá no início de janeiro de 2019, programado para coincidir com o início do período de aproximadamente 14 dias em que o lado distante do astro é banhado por um Sol abundante, o que é bom para as matrizes solares da espaçonave. O local proposto para a aterrissagem da espaçonave chama-se Von Kármán, uma cratera de impacto lunar situada dentro de uma cratera de impacto ainda maior, chamada bacia South Pole-Aitken, no lado longínquo da Lua. Essa é a bacia mais antiga, e é a maior estrutura criada por impacto na Lua.
Ciência forense do lado distante da Lua
“Em muitos aspectos, sabemos muito pouco sobre o lado longínquo do astro em comparação com o lado mais próximo”, disse Mark Robinson, um cientista planetário da Universidade do Estado do Arizona e investigador principal do Orbitador com Câmera de Reconhecimento Lunar (LROC, na sigla em inglês) da Nasa.
Uma esperança que Robinson e outros cientistas lunares dos EUA têm é que a Chang`e-4 possa ter a sorte de pousar perto de uma remota região chamada de "mare", na parte que não enxergamos na Lua. Compostos por lava antiga e resfriada, esses “mares” são depósitos ricos em basalto e muito comuns no lado lunar próximo, mas muito menos freqüentes no lado distante. Seu nome vem da palavra latina para "mar", que é exatamente o que, séculos atrás, os astrônomos suspeitavam que eles fossem, devido à sua coloração escura.
"Nós não temos uma amostra documentada de um “mare” distante, então esse seria algo visto pela primeira vez", disse Robinson à Scientific American. O “mare” de basalto representa a melhor visão que podemos ter da composição geral da Lua e de seu misterioso manto - a camada entre o núcleo e a crosta - então uma caracterização detalhada de um "mare" distante permitirá aos cientistas aprender, entre outras coisas, por que o lado mais próximo e o mais distante têm aparências tão diferentes, ele diz.
Quando a Chang`e-4 aterrissar, Robinson diz, o sistema de câmeras LROC a bordo do Orbitador de Reconhecimento Lunar da Nasa deve ser capaz de identificar claramente onde a espaçonave chinesa está. "Devemos ser capazes de identificar os sinais da nave e do jipe robótico, se não o jipe robótico em si", diz ele.
Poder Brando
Jim Head, um cientista planetário eminente da Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, diz que a missão Chang`e-4 é mais uma prova da visão da China sobre a Lua não apenas como um objeto de interesse científico, mas também como um ativo estratégico e relevante para a marcha chinesa rumo a se tornar uma nova superpotência global.
“Todas as nações que exploram o espaço estão de olho na Lua, por razões de orgulho - como se vêem como nação - e prestígio, no sentido de como os outros as vêem”, diz Head. “Além disso, como na competição inicial da Guerra Fria entre a América e a URSS, a exploração espacial bem-sucedida é uma demonstração enorme de `poder brando`, a capacidade de mostrar proezas e liderança tecnológicas de maneira pacífica e não ameaçadora. A China está claramente na vanguarda do renovado interesse internacional na exploração robótica e humana da Lua.”
No caso da China, parte do poder tecnológico associado à sua incursão no lado distante da Lua consiste em um satélite chamado "Queqiao", lançado em maio de 2018 para servir como um retransmissor de comunicações para Chang`e-4. Como o volume lunar bloqueia as transmissões de rádio entre a Terra e o lado distante da Lua, apenas um satélite como o Queqiao é capaz de enviar dados quase em tempo real entre a espaçonave e seus controladores terrestres. O Queqiao, diz Head, pode ser visto menos como um apoio pontual à missão e mais como parte de uma “infraestrutura global de comunicação de exploração lunar”.
Quanto ao que ele espera que a Chang`e-4 possa descobrir, Head observa que qualquer missão no lado distante da Lua é essencialmente uma viagem para o desconhecido e, portanto, inevitavelmente levará a novas descobertas. “A exploração está investigando o desconhecido, e a demonstração de que podemos pousar e explorar o outro lado da Lua, particularmente a bacia do Pólo Sul-Aitken, é uma realização fundamental, os primeiros passos, um ponto de apoio em um novo `continente`. Assim como é difícil prever o futuro, é difícil prever os resultados da exploração do desconhecido. E é por isso que exploramos!”
Qual o próximo passo?
Se tudo correr conforme o planejado, a Chang`e-4 será seguido pela missão Chang`e-5, prevista para o final de 2019. A Chang`e-5 marcará a segunda missão da China para o lado escondido da Lua e tentará coletar amostras do Mons Rümker, que fica no Oceanus Procellarum, uma grande área de mare lunar a noroeste do lado escondido da Lua.
Enquanto isso, outras nações têm seus próprios planos de exploração lunar. O módulo de pouso lunar Chandrayaan-2 da Índia deve ser lançado no início de 2019, e a Rússia anunciou suas intenções de realizar uma missão robótica à Lua nos próximos cinco anos. Nos EUA, estimulada pela postura pró-lua da administração Trump, a Nasa está planejando o “Gateway”, uma estação espacial com astronautas em órbita lunar, bem como um programa de Serviços de Carga Lunar Comercial (CLPS, na sigla em inglês) que seria uma parceria público-privada em que a indústria privada ofereceria transporte de cargas necessárias para a superfície lunar.
“O CLPS em particular fornece múltiplas plataformas e capacidades para alcançar a Lua através de oportunidades comerciais e parcerias. Essas oportunidades do CLPS são fundamentais para a rápida inovação e o rápido vôo espacial, e será interessante comparar os resultados das abordagens dos Estados Unidos e da China nos próximos anos”, diz Head.
Cooperação ou competição?
John Logsdon, professor emérito de ciência política e assuntos internacionais do Instituto de Políticas Espaciais da Universidade George Washington, diz que agora é a hora de cooperar, ao invés de competir, em um esforço global renovado para a exploração lunar.
“A nave chinesa que irá explorar o lado distante da Lua é o próximo passo do programa há muito planejado de exploração lunar do país. Como os Estados Unidos planeja seu próprio esforço lunar, para mim não faz sentido excluir as realizações chinesas de uma abordagem integrada para aprender mais sobre a Lua”, diz Logsdon. "Em vez de encarar a Change`e-4 de forma competitiva e como uma ameaça à liderança dos EUA, talvez o novo Congresso permita que a Nasa trabalhe com a China e outros parceiros em um esforço de exploração global.” Em 2011, o Congresso promulgou uma lei proibindo a Nasa de realizar qualquer coordenação bilateral com a China.
De acordo com Marcia Smith, especialista em política espacial e editora do site SpacePolicyOnline.com, do ponto de vista da ciência, o interesse da China em estudar a Lua parece se encaixar com o interesse renovado da Nasa pela Lua. A Chang`e-4 envolve vários parceiros internacionais na missão: Holanda, Alemanha, Suécia e Arábia Saudita, observa ela. A Nasa também está buscando parceiros para seu programa lunar, mas deve excluir a China como resultado das proibições legais do Congresso.
Geopolítica Lunar
“É preciso admitir que a situação geopolítica com a China é delicada, mas o mesmo acontece com a Rússia e mesmo assim a Nasa e a Rússia têm uma extensa cooperação espacial que é anunciada como exceção no relacionamento tenso em outras frentes”, afirma Smith. Se a Nasa é autorizada a cooperar com a Rússia para alcançar objetivos civis comuns, por que não pode fazer o mesmo em relação à China?
“A Nasa está ansiosa para colocar retroreflectores de laser em qualquer espaçonave que pouse na Lua", diz Smith. “Talvez adicionar um a Chang`e-5 possa ser um primeiro passo.” A proibição do Congresso não está completa, observa ela. A linguagem do ato não limita completamente a cooperação bilateral. Em vez disso, determina que o Congresso deve pré-aprovar qualquer projeto que a Nasa desenvolva com a China. “Então, o acordo poderia encorajar a Nasa a dar um primeiro passo, como com os retrorreflectores ou algum outro pequeno projeto científico, e ver o que acontece.”
Leonard David
FONTE: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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