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Novo experimento revela segredo por trás da cola neandertal de 200 mil anos de idade



Há mais de cem mil anos, os neandertais usavam piche para colar objetos, mas os cientistas têm se esforçado para entender como esses seres humanos antigos, com seu conhecimento e seus recursos limitados, eram capazes de produzir essa substância pegajosa. Uma nova experiência revela a técnica provavelmente usada por neandertais e como eles convertiam casca de árvore em uma antiga forma de cola.

Neandertais fabricavam suas próprias colas há pelo menos 200 mil anos, o que é meio impressionante quando você para pra pensar. Nós pensamos geralmente em fogo, ferramentas de pedra e linguagem como as maiores invenções do começo do desenvolvimento humano, mas a capacidade de colar coisas era uma tecnologia tão transformadora quanto qualquer uma dessas.

Piche produzido a partir do experimento visto gotejamento de um floco de obsidiana. (Imagem: Paul Kozowyk)

Uma nova pesquisa publicada na Scientific Reports revela a engenhosidade surpreendente, as capacidades intelectuais dos neandertais e o método provavelmente usado para preparar esse adesivo antigo.

Com base em evidências arqueológicas, sabemos que os neandertais fabricavam piche durante a era do Pleistoceno Médio. Os mais antigos vestígios dessa prática são de um sítio na Itália durante uma época em que apenas os neandertais estavam presentes na Europa. Pedaços de piche parecidos e resíduos de adesivo também foram encontrados na Alemanha, o mais velho dos quais remonta cerca de 120 mil anos atrás. Os neandertais usavam piche para unir ossos ou pedras a um cabo de madeira para criar ferramentas ou armas. Foi um multiplicador de força em engenharia, permitindo que esses humanos antigos pudessem pensar além do óbvio e construir conjuntos de ferramentas completamente novos.

O que torna a presença de piche nessa fase inicial da história um mistério, no entanto, é que os neandertais tinham descoberto uma maneira de fazer a útil substância pegajosa milhares de anos antes da invenção da cerâmica, que na época dos antigos mesopotâmicos estava sendo usada para produzir piche em grandes quantidades. Durante anos, os arqueólogos suspeitaram que neandertais realizavam a destilação seca de casca de bétula para sintetizar piche, mas o método exato permanecia um mistério, particularmente devido à ausência de recipientes duráveis que poderiam ser usados para cozinhar a substância a partir do materiais de base. As tentativas dos cientistas para replicar o processo que suspeitavam que o Neanderthal usava resultou em quantidades minúsculas e muito mais baixas do que seria necessário para seu uso.

Para enfim descobrir como os neandertais conseguiam, uma equipe de investigação liderada por Paul Kozowyk, da Universidade de Leiden, levou a cabo uma série de experiências. O piche é derivado da destilação seca de materiais orgânicos, casca ou madeira de pinho ou bétula, por isso a equipe de Kozowyk procurou reproduzir piche com essas substâncias e os métodos de cozimento prováveis à disposição dos neandertais. É muito provável que os neandertais tiveram a ideia ao se sentarem ao redor da fogueira.


Piche coletado em um recipiente de casca de bétula. (Imagem: Paul Kozowyk)

“Um pedaço bem enrolado de casca de bétula simplesmente deixado no fogo e removido quando parcialmente queimado, quando aberto, às vezes, contem pequenos traços de piche dentro do rolo ao longo da borda queimada”, explicaram os autores do estudo. “Não o suficiente para fazer uma ferramenta, mas o suficiente para reconhecer essa substância pegajosa.”

Com isso em mente, os pesquisadores aplicaram três métodos diferentes, que vão do mais simples ao mais complexo, enquanto registravam a quantidade de combustível, materiais, temperaturas e teor de piche para cada técnica. Seus resultados foram comparados com os vestígios arqueológicos conhecidos para ver se eles estavam próximos (ou longe) do resultado. No final das experiências, os investigadores descobriram que era inteiramente possível criar piche nas quantidades necessárias mesmo utilizando o método mais simples, que precisa de um controle mínimo de temperatura, um monte de cinzas e casca de bétula.


A quantidade máxima de piche obtido a partir de uma única tentativa experimental foi de 15,7 gramas, muito mais do que qualquer piche remanescente do Paleolítico Médio. (Imagem: Paul Kozowyk)

“Um rolo de casca simples em cinzas quentes pode produzir piche o suficiente para produzir uma pequena ferramenta, e repetir esse processo várias vezes pode produzir as quantidades conhecidas no registro arqueológico”, escrevem os pesquisadores. “Nossos experimentos nos permitiram desenvolver um quadro provisório de como a destilação seca de casca de bétula pode ter evoluído, começando com o reconhecimento de pequenos traços de piche na casca de bétula em rolos de casca parcialmente queimados.” Eles acrescentaram: “Nossos resultados indicam que é possível obter quantidades úteis de piche através da combinação de materiais e tecnologia já em uso pelos neandertais”.

De fato, replicando até mesmo o processo mais simples, os pesquisadores foram capazes de obter 15,9 gramas de piche utilizável em um único experimento, o que é muito mais do que quaisquer restos de piche encontrados em sítios do Paleolítico Médio. Além do mais, o controle de temperatura não precisa ser tão preciso quanto se pensava anteriormente, e um recipiente durável, como um recipiente de cerâmica, não é necessário. Posto isto, o processo exigia uma certa quantidade de perspicácia; para esse processo dar certo, os neandertais precisavam reconhecer certas propriedades dos materiais, tais como o grau de aderência e viscosidade. Nós nunca vamos certeza se isso é exatamente o que os neandertais estavam fazendo, mas é uma possibilidade com implicações importantes para os primeiros seres humanos em geral.

“O que esse estudo reforça é que todos os seres humanos que existiam há cerca de 50 mil a 150 mil anos atrás, mais ou menos, eram culturalmente semelhantes e igualmente capazes desses níveis de imaginação, invenção e tecnologia”, explicou o antropólogo da Universidade de Washington Erik Trinkaus, que não esteve envolvido no estudo, em entrevista ao Gizmodo. “Os antropólogos foram confundindo anatomia e comportamento, fazendo a inferência de que a anatomia arcaica é igual a comportamento arcaico e comportamento ‘moderno’ [é equivalente à] anatomia humana moderna. O que está surgindo a partir do fóssil humano e dos registros arqueológicos do Paleolítico em toda a Eurásia e África é que, em qualquer lugar no tempo durante esse período, eles estavam todos fazendo, e eram capazes de fazer, basicamente as mesmas coisas, seja qual for sua aparência.”

“O que esse estudo reforça é que todos os seres humanos que existiam há cerca de 50 mil a 150 mil anos atrás, mais ou menos, eram culturalmente semelhantes e igualmente capazes desses níveis de imaginação, invenção e tecnologia.”

Sabrina Sholts, antropóloga do Museu Nacional do Instituto Smithsonian de História Natural, diz que esse estudo é um bom exemplo de como a arqueologia experimental pode ser usada para complementar os registros e abordar as questões materiais do comportamento dos hominídeos passados.

“Eu acho que certamente vale a pena testar métodos de produção de piche que poderiam ter sido usados pelos neandertais e humanos modernos antigos, só para desafiar nossas suposições sobre o tipo de tecnologias e ideias ao seu alcance”, ela disse ao Gizmodo.

[Scientific Reports]

Imagem do topo: Cedida por James Ives.

FONTE: GIZMODO BRASIL

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