POR SALVADOR NOGUEIRA
Finalmente a Nasa resolveu tirar a poeira de todos aqueles velhos planos para trazer amostras de Marte a fim de estudá-las na Terra. Um projeto para trazer rochas marcianas — de forma robotizada — pode decolar a partir de 2026.
Foi o que sugeriu Thomas Zurbuchen, chefe do diretório de ciência da agência espacial americana, em uma reunião de diretoria das Academias Nacionais dos EUA. A informação é de Jason Davis, da ONG Planetary Society.
O envio de amostras de Marte para a Terra é essencial de muitas maneiras diferentes.
Ele é tido, por exemplo, como crucial para a busca de sinais de vida — sobretudo pregressa — no planeta vermelho. Isso porque a busca de traços fósseis em rochas que foram modificadas por fluxos de água no passado marciano exige equipamento delicado, que já está disponível em laboratórios terrestres, mas dificilmente poderia ser miniaturizado para ser embarcado num jipe robótico.
Além disso, o retorno de amostras é um passo fundamental para uma futura tentativa de levar astronautas ao planeta vermelho na década de 2030 — objetivo declarado da agência (ao menos no papel). Afinal, antes de usar com humanos qualquer tecnologia que envolva ida e volta de Marte, será preciso testá-la de maneira robotizada.
Por fim, é um passo natural decorrente da missão do jipe robótico já em estágio de planejamento avançado pela Nasa, chamado até o momento apenas de Mars 2020. Como o nome sugere, ele será lançado no primeiro ano da próxima década, e uma de suas atribuições será recolher e armazenar amostras de interesse para um futuro reenvio à Terra.
Concepção artística do Mars 2020 operando em Marte (Crédito: Nasa)
UM DESAFIO E TANTO
Não será fácil, nem barato, tirar esse coelho da cartola. Decolar de Marte será muito mais complexo do que voltar da Lua, como humanos e robôs já fizeram diversas vezes. A gravidade marciana é quase o dobro da lunar, e o planeta vermelho ainda tem uma atmosfera para complicar ainda mais as coisas.
A Nasa não descarta uma parceria com outros países — ou mesmo empresas — na iniciativa. (Sr. Musk, esta é a sua deixa.) Mas não quer dizer também que a agência espacial americana tope qualquer parada. Segundo Zurbuchen, um elemento essencial de qualquer arquitetura de recolhimento e retorno de amostras é o cuidado com a “proteção planetária”. Ou seja, não podemos levar bactérias terrestres que possam colonizar Marte, nem devemos trazer de volta, de maneira acidental, qualquer entidade biológica marciana que porventura possa existir por lá.
“A parte da proteção planetária é absolutamente essencial”, disse Zurbuchen. “Qualquer que seja o parceiro, ele precisa compartilhar nossos valores nisso — sem meios termos.” (Sr. Musk, esse é um recado para o senhor.)
Diagrama mostra arquitetura básica para missão de retorno de amostras (Crédito: Nasa)
COMO SERIA
Tudo ainda é muito vago, claro, mas a arquitetura básica para a missão envolveria o lançamento de um módulo com um veículo de ascensão embarcado nele. Um jipe robótico — talvez o próprio Mars 2020 — levaria as amostras até o veículo, que então seria lançado da superfície marciana, até a órbita do planeta vermelho. Lá, ele acoplaria com um orbitador com capacidade para retornar às imediações da Terra.
E a fase final pode envolver a reentrada da cápsula com as amostras diretamente em nosso planeta ou, quiçá, seu estabelecimento em uma órbita lunar, onde astronautas poderiam ir buscá-la e trazê-la com mais segurança — e menos risco de contaminações acidentais. (Alguém aí se lembra da cápsula Genesis, uma missão de retorno de amostras de partículas do vento solar que teve falha no para-quedas e se espatifou em 2004 no deserto de Utah?)
Até aí, tudo relativamente tranquilo — a Nasa pretende ter a capacidade de enviar astronautas às imediações da Lua até 2023. O que realmente complica a coisa toda é o custo da brincadeira. Uma missão de retorno de amostras de Marte será bem cara, talvez algo como US$ 4 bilhões. É dinheiro de pinga se estivesse no lado do programa tripulado, mas para o orçamento de ciência planetária robótica é uma cifra bem grande. Normalmente, a despesa anual com todas as sondas não tripuladas (as que estão voando e as que vão voar) gira ao redor de US$ 1,5 bilhão.
Resta saber se a Nasa vai ter a grana para implementar isso, e que outros projetos podem pagar o pato num futuro equilíbrio orçamentário. (Vítimas óbvias seriam as missões robóticas aventadas para Marte depois de 2020.) Por sinal, esse foi o motivo pelo qual a agência só enrolou até hoje com esse assunto. Na década passada, falava-se em um lançamento desse tipo talvez para 2013 ou 2016. E na década anterior a ela, falava-se em 2009, talvez. Ou seja, faz 20 anos que estamos a 10 anos de uma missão de retorno de amostras marcianas. Nada impede que a história se repita.
Algo, no entanto, é diferente desta vez. Outras agências espaciais estão ganhando terreno. Em 2020, a ESA (Agência Espacial Europeia) vai lançar seu jipe ExoMars — uma tentativa de buscar sinais de vida na superfície marciana. Em órbita já temos o Trace Gas Orbiter, da mesma ESA, que tentará decifrar a origem do metano atmosférico marciano, que também pode ter conexão com vida. Ou seja, se a Nasa ficar enrolando demais, pode acabar ficando para trás num jogo em que até então ela sempre esteve muito à frente — e que potencialmente envolve a mais incrível descoberta já feita pela ciência.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
Comentários
Postar um comentário