
Estudiosos de ética e cientistas ponderam qual o lugar da neurociência no Tribunal de Justiça
Depois que Richard Hodges alegou ser culpado por posse de cocaína e por roubos residenciais, ele parecia um pouco atordoado e insistia em perguntar coisas que não tinham nada a ver com a apelação do processo penal. Então o juiz pediu que Hodges passasse por um neuropsicólogo e por um exame de ressonância magnética (MRI, na sigla em inglês). Não apareceu nenhuma irregularidade.
Rodges, segundo os especialistas, estava fingindo. Seu recurso penal iria prosseguir.
Mas especialistas, ao examinarem o caso de 2007, agora dizem que Hodges foi parte de uma tendência crescente: as estratégias de defesa criminal estão cada vez mais recorrendo a evidências neurológicas - avaliações psicológicas, testes comportamentais ou exames cerebrais - para potencialmente mitigar a pena. Os réus podem citar traumas anteriores ou distúrbios cerebrais como razões fundamentais para seu comportamento, esperando que sejam levados em consideração nas decisões do tribunal. Essas defesas foram empregadas por décadas, principalmente em casos de pena de morte. Mas como a ciência evoluiu nos últimos anos, a prática se tornou mais comum em casos criminais de vários tipos, desde tráfico de drogas a roubos.
“O número de casos nos quais as pessoas tentam introduzir evidências neurotecnológicas no julgamento ou na fase sentencial subiu rapidamente.” diz Joshua Sanes, diretor do Centro de Ciência Cerebral da Universidade de Harvard. Mas essas tentativas podem estar indo além do conhecimento científico, ele acrescenta.
“Em 2012 mais de 250 opiniões judiciais nos EUA - o dobro do número visto em 2007 - citam réus argumentando de uma forma ou de outra que seus “cérebros os fizeram agir de determinada forma,” de acordo com uma análise feita por Nita Farany, uma professora de direito e chefe da Iniciativa para a Ciência e Sociedade da Universidade de Duke. Mais recentemente, ela diz, o número subiu para 420 por ano.
Mesmo quando os advogados não trazem a neurociência como evidência no tribunal, essa alteração ainda pode afetar o caso: alguns réus agora estão usando a falta de recursos de neurociência como motivo para questionar a competência das defesas que recebem. Em uma tentativa de desvendar o problema, Sanes, Farahany e outros membros do comitê da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina estão se encontrando em Washington na terça-feira (6) para discutir o que eles chamam de “neuroforense.”
“A reunião é orientada para o futuro, e não tão focada no uso da lei, mas na admissibilidade em corte,” escreveu em um e-mail para a Scientific American Steven Hyman, um dos representantes do comitê e diretor do Centro de Pesquisa Psiquiátrica Stanley no Instituto Broad. A reunião provavelmente irá levantar uma série de questões sobre como a neurociência e a genética devem ser consideradas no tribunal - incluindo como os exames cerebrais que indicam a presença de dor deveriam ser usados para se pensar em um auxílio à deficiência, e em que circunstâncias a biologia de alguém pode explicar seu comportamento. Outro ponto de discussão controverso será o recente trabalho para demonstrar o conceito de que imagens cerebrais- feitas através de ressonância magnética funcional (fMRI- sigla em inglês) ou de um eletroencefalograma (EEG - que captura a atividade elétrica cerebral) - poderiam se juntar a algoritmos computadorizados para eventualmente reconstruir o que uma pessoa vê ou para capturar outros aspectos da percepção humana.
O comitê também irá discutir o papel da genética no tribunal - uma tendência que pode estar em decadência, mesmo quando a neurociência têm um papel mais proeminente nos casos criminais. Em 2013 havia 18 casos em que as opiniões judiciais mencionavam a genética; em 2014 eles eram apenas 10 e em 2015 o número caiu para sete, de acordo com uma crítica não publicada por Farahany. “Deve ter havido mais iniciativas que simplesmente não foram discutidas [nas decisões judiciais], mas, se tivessem relevância para o resultado, teriam sido discutidas,” ela disse. Farahany acredita que a queda ocorreu porque a ligação que a ciência fez de certas mutações genéticas à tendências criminais não se provou correta, mesmo enquanto os cientistas continuam a descobrir como nossos cérebros influenciam nosso comportamento.
Atualmente, a maioria dos neurocientistas entra no tribunal para fazer avaliações psicológicas ou estudos comportamentais. Imagens instantâneas do cérebro feitas a partir dos MRIs e scans de CT são apresentados em apenas 15% das opiniões judiciais que envolvem neurociência, de acordo com a pesquisa de Farahany. Mas para além dessa reunião, os membros do comitê previram que o papel das imagens cerebrais poderia crescer em um futuro próximo - uma boa razão para começar a discutir esses assuntos desde já.
“Essa é uma área ampla, e está propensa ao exagero,” Sanes diz sobre a área neuroforense. Mas nesse encontro “esperamos conseguirmos comentários sobre bons tópicos a serem explorados, e algumas sugestões sobre como montar um estudo completo", diz ele. “Esse encontro é o ponto inicial.”
Dina Fine Maron
FONTE: SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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