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Escassez de recursos e má gestão afetam os planetários brasileiros


PLANETÁRIO DO IBIRAPUERA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O último a sair apaga a cúpula: financiamento limitado impede que planetários consigam realizar melhorias e atrair entusiastas em observar o espaço

Gerson Francisco tinha apenas 14 anos quando ganhou seu primeiro telescópio. Pouco tempo antes, durante um passeio pelo Parque Ibirapuera, na capital paulista, ele fez uma visita ao planetário que fica ali dentro, chamado Professor Aristóteles Orsini. Apaixonou-se perdidamente pela astronomia. “Quando entrei, fiquei louco”, conta Francisco, formado em Física e Matemática. “Não tem nada mais inspirador para um jovem.” Aos 68 anos, o professor aposentado deseja trazer mais estrelas à cidade de São Paulo: está à frente do terceiro planetário paulistano, em construção na Rua Pamplona, perto da Avenida Paulista.

Além das projeções astronômicas, o complexo conta com uma praça, um prédio comercial e um centro de pesquisas. No local há também um charmoso casarão antigo, patrimônio histórico do município que será transformado em escola de artes e ciências. O empreendimento é privado, mas será aberto ao público. “Isso aqui é para inspirar o jovem”, diz. Francisco idealizou o planetário ao assumir o comando da propriedade, há cerca de dez anos — tempo que levou para tirar seus planos do papel.

Como a prefeitura atrasou dois anos para emitir o alvará, o planetário só começou a ser construído de fato em outubro de 2015. A previsão era que já estivesse pronto, mas não rolou. Em janeiro de 2018, obras na estrutura e no acabamento do auditório ainda eram finalizadas. É que não é nada fácil montar um planetário: além de erguer o prédio, é preciso instalar um ar-condicionado potente para prolongar a vida dos aparelhos, uma cúpula especial, de alumínio microperfurado, e, é claro, o equipamento de projeção.

As peças são tão caras que parecem ser importadas de outro sistema solar — Francisco estima que a conta ultrapasse os US$ 3 milhões. “Preciso de patrocinador para comprar a cúpula, ao custo de US$ 350 mil”, revela. Só o projetor custará US$ 2 milhões. Empresas podem viabilizar o empreendimento com ações de marketing — uma opção é nomear o planetário. “Nossa estimativa para a inauguração é 2019. Antes disso teremos de aguardar a fabricação do equipamento, treinar as equipes e produzir o conteúdo”, diz Douglas Aceiro, planetarista do projeto. Enquanto o investimento não chega, o sonho segue em órbita…

Se angariar recursos para um planetário privado no coração do maior centro financeiro da América Latina já é complicado, no setor público os desafios são ainda mais astronômicos. E é justamente nele que ficam cerca de 90% dos planetários fixos do país.


MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO DOS PRINCIPAIS PLANETÁRIOS NO BRASIL (FOTO: GALILEU)

Faça-se a luz

De acordo com Paulo Sobreira, diretor da Associação Brasileira de Planetários (ABP), o grande problema é que não basta construí-los — é preciso mantê-los com a tecnologia atualizada. E os órgãos públicos não têm verbas para isso. “Os financiamentos pagam só os salários dos servidores e as contas”, afirma. “Aí os planetários envelhecem e têm dificuldades para apresentar novos conteúdos.” Isso ocorre porque não há políticas públicas padronizadas para o gerenciamento desses espaços. É uma verdadeira terra de ninguém.

A maioria dos planetários no Brasil pertencem a prefeituras, mas são regulados por secretarias variadas. Os estaduais costumam ser vinculados a fundações ou centros culturais. Já em âmbito federal, estão ligados a universidades ou institutos reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC). Há também os de natureza móvel, que possuem cúpula inflável e podem ser transportados com facilidade até mesmo para locais remotos. Esses geralmente são privados.

Sobreira considera um problema seríssimo o fato de haver muitas prefeituras na gestão, pois elas não têm mão de obra. “Os contratos são provisórios; quando muda o prefeito, a equipe inteira é demitida, e são colocadas pessoas sem conhecimento, mas com apadrinhamento político”, denuncia o diretor da ABP. “Alguns espaços no Brasil quebraram e estão fechados por causa dessa prática.”

Inaugurado em 1957, o planetário do Ibirapuera foi o primeiro do país. Atualmente está vinculado à Secretaria do Verde e Meio Ambiente (UMAPaz). “No âmbito histórico, isso ocorre porque estamos dentro de um parque, mas hoje entendemos a ligação com educação ambiental”, justifica Fernando Nascimento, diretor dos dois planetários de São Paulo — o Prof. Aristóteles Orsini e o Prof. Acácio Riberi, mais conhecido como do Carmo, na zona leste da cidade. “São aparelhos de consciência da cidadania planetária.”

Em 60 anos, o espaço do Ibirapuera fechou as portas duas vezes: entre 1999 e 2006 e de 2013 a 2016. “A primeira foi necessária, porque havia muitos cupins na estrutura de madeira”, conta. O diretor afirma que as duas instituições nunca tiveram envolvimento com política. “Os planetários de São Paulo estão protegidos disso, pois é requisito que os gestores tenham mérito técnico.”

Físico com formação em Astronomia, Nascimento também estudou Administração, conhecimento que considera indispensável a um bom gestor de planetários. “Quando a pessoa é muito focada na área científica, se esquece que tem de gerir — aí a coisa pode se perder”, avalia.

Como todo órgão público, os planetários devem prestar contas de seus gastos. De acordo com Nascimento, o complexo paulistano precisa de pelo menos R$ 7 milhões por ano. Para 2018, não receberá nem metade, o que só garante a manutenção básica. Outro grande problema é a remuneração.

“Meu salário atual é o mesmo que ganhava dez anos atrás, não posso vir aqui pelo dinheiro”, desabafa o diretor. Sem perspectiva de carreira, os funcionários não duram muito tempo. “Só fica um ou outro apaixonado.”

Por esses motivos, a ABP tem pedido ajuda ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “O governo nos socorre com pequenos editais e nos sugere procurar deputados e senadores para pedir verbas”, diz Sobreira.

Desde que a ABP surgiu, em 1996, o número de planetários no país quase sextuplicou: na época, eram cerca de 15 fixos; hoje, já são 83, entre fixos e móveis. Mas há um lado ruim. “Existem planetários criados com investimento do CNPq que estão com as cúpulas rasgadas — pagaram barato por equipamentos chineses de baixa qualidade”, lamenta. Colegas como Nascimento, do planetário do Ibirapuera, concordam. “O político quer levantar a obra, mas fazer um planetário não é apenas construir um prédio redondo”, destaca.

Outro espaço de excelência é o planetário Rubens de Azevedo, que fica no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza (CE). Segundo o diretor, Dermeval Carneiro, aproximadamente 15 mil alunos de colégios públicos e particulares visitam o local todos os anos, onde aprendem ciência de forma lúdica. Fechado desde maio de 2017 devido à quebra de um dispositivo de projeção, suas instalações estão sendo modernizadas. “A cúpula é antiga e precisa de um processo químico para refletir imagens digitais”, explica.

Os itens retirados serão transferidos para Crato, cidade a 400 quilômetros de Fortaleza, que também ganhará um prédio para projeções cósmicas. “O Ceará vai ser o único estado com três planetários digitais”, orgulha-se. O outro fica em Sobral e também foi erguido por Carneiro, em 2009. Em Fortaleza, a reinauguração está prevista para março, já a abertura do estabelecimento em Crato deve ocorrer apenas no segundo semestre.

Ao todo, a reforma estrutural do Rubens de Azevedo custou R$ 230 mil. O valor do novo projetor, importado da Alemanha, é de 1,7 milhão de euros. De acordo com o diretor, a aquisição de verbas com o governo estadual foi rápida. “O problema é a burocracia das licitações”, diz. No Ibirapuera, Nascimento enfrenta situação semelhante. “Já tivemos processos de compra de materiais simples que levaram seis meses”, revela.

Outra questão que paira sobre os planetários brasileiros são os conteúdos exibidos nas sessões de cúpula. Nem todas as instituições possuem recursos para criar produções autorais, e muitas das apresentações são traduções e adaptações do exterior. “Existem centenas de filmes em inglês; mas dublados, nem sequer 20”, lamenta Sobreira. Além disso, espetáculos traduzidos nem sempre atendem à realidade brasileira, pois são voltados para o céu do Hemisfério Norte.

Há ainda o problema da desatualização: com o tempo, o conteúdo torna-se ultrapassado. Mesmo com os desafios, Sobreira afirma que os planetaristas sempre buscam soluções. “Independentemente dos equipamentos que têm em mãos, eles são criativos e procuram fazer as próprias apresentações”, defende.

A Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro se destaca nesse aspecto. O complexo tem duas unidades: na Gávea, com duas cúpulas, o maior do Brasil, e em Santa Cruz, bairro afastado da capital fluminense.

A instituição exibe oito apresentações — todas autorais. Em média, produz dois filmes novos por ano. “As pessoas têm acesso a muita tecnologia, então precisamos nos reinventar para oferecer novos produtos ao público”, declara Alexandre Cherman, diretor de astronomia da fundação. Segundo ele, filmes importados também são exibidos, mas totalmente adaptados para o céu do Brasil.


PLANETÁRIO LOCALIZADO EM SANTO ANDRÉ (SP) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Para os olhos brilharem

Paulo Sobreira, diretor da ABP, considera as secretarias de Educação como os melhores órgãos aos quais se devem vincular os planetários. “É onde tem mais verba”, justifica. Mas não é só pela grana: ele acredita que os planetários têm caráter educativo. “A astronomia é uma ciência multidisciplinar; partindo dela, o estudante conhece outras ciências”, diz. “O planetário é como uma escola — todos os municípios do Brasil deveriam ter um.”

A opinião é quase unânime entre os profissionais do meio. “Os planetários, por tradição, ficaram com a missão de difundir a astronomia, e hoje são os únicos lugares, nos grandes centros com poluição luminosa, onde se pode olhar para o céu”, aponta Fernando Nascimento, diretor dos espaços de São Paulo. “Não pode ser mero entretenimento: tem de ser um local de difusão científica, de criação e reflexão.”

“Na Europa e nos Estados Unidos, o planetário é considerado uma das melhores aplicações de recursos públicos para inovação e popularização da ciência e tecnologia”, afirma o idealizador dos espaços cearenses, Dermeval Carneiro.

A abordagem de educação faz sentido, já que o principal público são crianças e adolescentes em excursões escolares. O problema é que, assim como em zoológicos, museus ou aquários, os passeios são raros. “Você os visita aos sete anos e depois volta quando seu filho tem sete anos”, brinca Nascimento.

Entretanto, a existência dos planetários não deveria se restringir tão somente à comunidade escolar. Em Belém (PA), por exemplo, o Centro de Ciências e Planetário do Pará, da Uepa, é o único fixo não apenas do estado como de toda a região Norte.

Em vista disso, o local tenta fazer algo diferente: ensina ciência com sabedoria de índios da Amazônia. “Tentamos resgatar as culturas locais, e até já fizemos sessões de cúpulas sobre o conhecimento de astronomia dos indígenas”, comenta a diretora Sinaida Vasconcelos. Desde 2014, a instituição promove o projeto Ciência Móvel, com auxílio do CNPq.

Uma estrutura inflável é transportada ao interior, muitas vezes floresta adentro, em incursões para disseminar a ciência e realizar estudos com comunidades afastadas. Mais de 20 mil estudantes, de diversas regiões do Pará, já participaram de uma dessas sessões ao longo dos últimos três anos. “O estado é grande e muitas escolas não conseguem ir até o planetário”, declara Vasconcelos. “A população é carente e precisa desse conhecimento.”

Iniciativas como essas mostram que há algo de universal no encanto pelo Universo. Não importa se um adolescente vive sob o céu poluído e sem estrelas de São Paulo e outro, em meio à noite escura da região amazônica: os olhos de ambos brilham com a mesma intensidade ao entrar em um planetário. Cabe a políticos e empresários propagar ainda mais esse brilho — e garantir que ele nunca se apague.

FONTE: REVISTA GALILEU

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