Para filósofos e cientistas como Neil deGrasse Tyson, a possibilidade da Hipótese da Simulação ser real pode chegar a 50%
Talvez, você já tenha reparado: o mundo está estranho. Enquanto o desencanto na política é notável e crescente, coisas impossíveis também acontecem em outras áreas. Se alguém dissesse que iriam “errar” o nome do vencedor do Oscar de melhor filme, provavelmente você iria franzir o cenho e parafrasear a Mônica, dizendo: “Ata”. Mas aconteceu. Se fossemos Keanu Reeves vivendo em uma simulação de computador, diríamos que estamos constantemente passando por “falhas na Matrix”.
A questão é que, para alguns filósofos e cientistas influentes, nós podemos, de fato, estar vivendo em uma simulação de computador. Uma simulação diferente daquela proposta pelas irmãs Wachowski, em Matrix, mas ainda assim uma simulação.
“Esta é sua última chance. Depois disso não há como voltar”, avisa Morpheus a Neo, no filme. “Se tomar a pílula azul, a história acaba, e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha, ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho.”
No caso, aqui, a pílula azul é o “x” no canto da tela; e a vermelha, os parágrafos abaixo que vão te introduzir às ideias de pensadores que levam essa história muito a sério. A escolha é sua…
Já que escolheu ficar, é bom saber: esta é apenas uma teoria, uma tentativa de explicar o mundo, mas que têm defensores bastante proeminentes.
Um dos argumentos mais populares é de autoria do filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford. Segundo a Hipótese da Simulação, a humanidade teria se elevado a um nível tão avançado de tecnologia que poderia ter criado diversos universos simulados — assim como jogos de videogame, no qual os jogadores seriam inteligências artificiais com consciência de sua suposta existência.
“Eles [os criadores] poderiam ter a habilidade de comandar muitas simulações, ao ponto de que todas as mentes dentro destas simulações sejam artificiais”, escreveu Clara Moskowitz, na Scientific American, referindo-se à hipótese de Bostrom. Dada a quantidade de universos criados, seria, portanto, muito mais provável que nós fizessemos parte dos "programados" do que dos "programadores" — a menos que você viva no século 16 e acredite que a Terra é o centro do universo.
Apesar de parecer, o filósofo não está copiando o roteiro da série Westworld. O artigo no qual ele sugeriu a ideia é de 2003, e encontra eco nos trabalhos tanto de filósofos contemporâneos como David Chalmers, da Universidade de Nova York, quanto de filósofos clássicos como Platão — com sua alegoria da caverna — e modernos como Descartes.
Para Descartes, nós não podemos confiar cegamente em nossas percepções. Por exemplo, o resultado de uma final de copa do mundo pode ser o mesmo para os dois países, mas dificilmente quem perdeu vai ter a mesma percepção daquele que ganhou (pergunte a algum alemão se ele ficou triste com o 7x1). Tem-se aí duas realidades alternativas baseadas em um único fato.
Por isso, segundo o filósofo francês, a maneira como percebemos o mundo seria tão traiçoeira quanto um malandro. Não à toa ele criou o conceito do “gênio maligno”. E em suas Meditações, do século 17, escreveu:
“Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade.”
Logo, segundo Chalmers, A Hipótese da Simulação seria uma versão reinventada do conceito do gênio maligno, que, além do questionamento de percepção do mundo, usa também a tecnologia como pano de fundo.
Então, prova
A Hipótese da Simulação ficou ainda mais conhecida em 2016, quando o magnata Elon Musk, CEO da SpaceX, disse que acreditava fazer parte de um mundo simulado, e que a nossa realidade poderia ser só uma entre muitas.
Basta pensar em como a tecnologia de hoje é muito mais avançada do que há sete anos, quando agíamos como neandertais e usávamos o Orkut, tínhamos que ir ao banco pagar a maioria das contas, ou passávamos madrugadas baixando músicas na internet — affe! A questão que os filósofos propõem é exatamente esta: a humanidade poderia evoluir a ponto de criar uma inteligência que vivesse em um mundo simulado e que fosse capaz de ter consciência?
Segundo eles, nós já chegamos neste nível — nós, não, os programadores. Fazemos todos parte deste imenso game que seria a realidade que nos cerca, manipulados por seres avançados de um universo “acima” do nosso.
Em um podcast do jornal The Guardian, Chalmers afirma que seria impossível conseguirmos qualquer prova desta teoria, por causa de um simples fator: “Qualquer evidência que a gente consiga pode ser ela própria uma simulação”.
Mas isso não nos impede de caçá-las. Como afirmou Max Tegmark, cosmólogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), quanto mais aprendemos sobre o nosso Universo, mais ele parece ser baseado nas leis da matemática. “Se fossemos personagens de videogame, também descobriríamos que as leis são completamente rígidas e matemáticas. Elas apenas refletiriam os códigos de computadores em que foram escritas”, disse Tegmark no Isaac Asimov Memorial Debate.
A conferência aconteceu no Museu Americano de História Natural, em 2016, e reuniu grandes nomes da ciência e da filosofia para discutir o assunto. Entre eles, moderando a conversa, estava o astrofísico Neil deGrasse Tyson.
Para o apresentador de Cosmos e Star Talks, a possibilidade do conceito fazer sentido é de 50%. Ele lembrou do caso dos chimpanzés, que, apesar de possuírem 98% do nosso DNA, têm uma inteligência completamente diferente. Uma realidade simulada poderia explicar isso — e muitas outras coisas que ainda não podemos explicar.
Para a física teórica Zohreh Davoudi, do MIT, os raios cósmicos são uma evidência a que devemos prestar atenção. Elas seriam como assinaturas deste tipo de simulação, uma espécie de limite do que poderia ser medido pela nossa compreensão. Sim, um limite estabelecido pelo "programador".
"Estes raios cósmicos são as partículas mais energéticas que podemos observar. Eles sequer podem ser fabricadas em laboratório", afirmou Davoudi, na conferência. "Essa é a nossa forma de saber se o este espaço-tempo implícito [em que vivemos] é dicreto [no sentido de descontínuo] ou contínuo".
O filósofo David Chalmers concorda. "Quando usamos estes dispositivos de realidade virtual, como os óculos Rift, acontece algo que chamamos de 'screen door effect'. É como se, caso você aproximasse muito uma coisa no jogo, você conseguisse ver os pixels. Ou seja, você percebe que não é uma simulação perfeita. Acho que o que Zohreh está querendo dizer é que não conseguimos evidência empírica do 'screen door effect' na física da vida real."
Para a especialista é quase isso. "Na verdade, não é sobre não ter informação [data] o suficiente, é mais profundo do que isso. É sobre algo que [o físico Richard] Feynman já se ocupava. Por que você precisa de um número infinito de informação para descrever uma parte minúscula do espaço-tempo? Isso não faz sentido."
Mas nem todos concordam. A física teórica Lisa Randall, da Universidade Harvard, afirma que usar a Hipótese da Simulação como desculpa para eventos que dão errado, como a cerimônia do Oscar ou a eleição do presidente Donald Trump, é uma forma de abdicar das responsabilidades. “Acho que seria mais frutífero focar no que podemos fazer para evitar os erros e melhorar o mundo do que atribuir resultados indesejáveis a forças externas incontroláveis”, afirmou ela ao Quartz.
Esses humanos…
Mesmo sendo contra, até Randall afirma que seria igualmente difícil provar que não vivemos em uma simulação. "Na física, nós não conseguimos provar de fato uma teoria, o que fazemos é excluir teorias alternativas. De qualquer forma, você pode pesquisar mais e descobrir que aquela teoria que julgavam ser fundamental tem estruturas mais fundamentais ainda. Então, não podemos afirmar que nenhuma teoria da física é absolutamente correta (ou incorreta) porque não temos acesso a todos os níveis de informação".
E, para Chalmers, o fato de vivermos em um jogo de videogame não significaria que a realidade não exista. “Ela existe, mas seria feita de informação”, afirmou ao Guardian. Uma espécie diferente de realidade, portanto.
O problema é que, caso a hipótese se confirmasse e todos descobríssemos que somos feitos de bits, teríamos dilemas morais muito mais complexos para resolver. Por exemplo, a entidade que criou a nossa realidade poderia ser um deus? “Hoje, neste universo, nós mesmos podemos criar mundos simulados e não existe nada de assustador nisso. Nossos criadores não seriam assustadores, seriam apenas adolescentes hackers em um universo ‘acima’ do nosso”, disse Chalmers, na conferência.
Tyson concorda: “Não pensamos que somos entidades quando jogamos com o Mario, mesmo que tenhamos controle sobre a altura de seus pulos. Não há razão para pensar nesta inteligência superior como superpoderosa só porque eles controlam o que fazemos”.
Para Zohreh Davoudi, a questão é um pouco mais complexa. Não se trataria de um videogame, mas de algo mais autônomo, que não precisaria necessariamente de um controlador. "Do ponto de vista da física, é perigoso comparar o conceito da simulação com jogos de videogame. Em uma simulação, colocamos ali as leis da física e da natureza e criamos um universo. Você não interfere no que você criou. Você só coloca os princípios fundamentais e observa."
Outra questão a ser respondida seria: uma inteligência artificial consciente é menos humana do que um ser humano de verdade — ou pelo menos o que consideramos humano? Como afirmou um dos robôs do parque de Westworld quando foi confrontado com a sua “falta de humanidade”: “A dor existe na mente; ela é sempre imaginada. Então qual é a diferença entre a minha dor e a sua, entre você e eu?”
FONTE: REVISTA GALILEU
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