
POR SALVADOR NOGUEIRA
Bem, não chegaria a ser chocante que um astro batizado em homenagem à deusa da agricultura e da fertilidade esteja cheio d’água em sua superfície — exceto pelo fato de que o astro em questão, o planeta anão Ceres, reside no meio do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter e não tem uma atmosfera apreciável. Dois estudos independentes, baseados nos resultados da sonda Dawn e recém-publicados, indicam que este é mesmo o caso — há grandes quantidades de gelo de água por lá, já nas camadas mais superficiais do solo.
A julgar pela baixa densidade do pequeno objeto, que tem apenas 900 km de diâmetro, já se esperava que um espesso manto em seu interior fosse feito de gelo de água. Mas os resultados obtidos pelo detector de nêutrons e raios gama da Dawn mostram que há expressiva quantidade de água já no primeiro metro de profundidade — provavelmente misturado a silicatos numa proporção média de 10% de gelo para 90% de rocha.
A concentração do hidrogênio é maior nas regiões polares, onde o percentual de gelo pode chegar a 30% (regiões em azul na imagem acima). O resultado foi divulgado nesta quinta-feira (15) durante a reunião da União Geofísica Americana, e publicado no periódico “Science”.
Mas, como diriam as velhas propagandas das facas Ginsu, não é só isso! A Dawn também fez um mapeamento cuidadoso das crateras de Ceres, em busca de regiões de escuridão eterna — pontos em que a luz do Sol nunca alcança.
Isso porque os astrônomos já sabiam — e isso é consistente com as observações — que, embora gelo de água possa subsistir nas primeiras camadas de solo, misturado a rochas, ele seria instável na superfície. Como Ceres não tem atmosfera apreciável, não existe pressão suficiente para manter a água em estado líquido. Com o bater do Sol, o gelo passa direto a vapor e lá se vai a água. Exceto, é claro, em crateras onde a luz nunca bate!
O mapeamento, publicado por outro grupo e num artigo em separado na novíssima publicação “Nature Astronomy”, revelou cerca de 600 crateras polares onde o fundo nunca é atingido pelos raios solares. Dessas, dez revelaram traços brilhantes no fundo, que contêm a assinatura clara de gelo de água.
DE ONDE VEM
A essa altura, os cientistas já estão acostumados a encontrar gelo de água em todo buraco onde a luz solar não chega nos corpos celestes desprovidos de atmosfera. Já a detectamos em crateras na Lua e até mesmo no planeta Mercúrio, o mais próximo do Sol!
Com a descoberta em Ceres, fica claro que esse fenômeno é mais a regra do que a exceção. No caso da Lua e de Mercúrio, essa água provavelmente chega lá por meio de asteroides e cometas ricos nesse composto volátil. Os bólidos celestes impactam contra suas superfícies, parte desse material se espalha pelos arredores e uma fração dele acaba caindo dentro das crateras da eterna escuridão, onde fica aprisionado para sempre sem evaporar.
Esse mecanismo certamente deve ter operado em Ceres, mas lá há um fator adicional: sabemos que há grandes quantidades de gelo de água nativo no manto do planeta anão. Tanto impactos como criovulcanismo podem ter ejetado esse material para fora no passado. (Os famosos pontos brilhantes de Ceres, no interior da cratera Occator, são produto de sais que originalmente estavam misturados a água. Ela deve ter sido expelida do subsolo por algum processo geológico e, na superfície, evaporou, deixando para trás apenas os sais — do mesmo modo que, quando saímos do mar e a água seca no corpo, ficamos cheios de sal.)
Esses processos ativos ocasionais são consistentes com observações feitas antes da chegada da sonda Dawn a Ceres. Entre 2012 e 2013, o Observatório Espacial Herschel, da ESA (Agência Espacial Europeia), detectou emissões de vapor d’água no planeta anão. Se essas emissões se cristalizam no espaço e caem de volta em Ceres, uma parte delas pode se realojar nas crateras-armadilhas.
POTENCIAL PARA EXPLORAÇÃO
Como o Mensageiro Sideral já destacou em outras ocasiões, encontrar esses depósitos de gelo de água facilmente acessíveis é um prato cheio para ambições futuras de exploração.
A água, sabemos, é um composto indispensável para o surgimento de vida como é conhecida aqui na Terra. Na forma de gelo, não serve de grande coisa para isso — eu não esperaria encontrar bactérias em Ceres. Por outro lado, ela pode servir de suporte a criaturas vivas inteligentes que um dia resolvam visitar aquelas bandas. Ou seja, nós.
A descoberta desses depósitos no planeta anão podem tornar, no futuro, Ceres um importante entreposto avançado que serviria de “portal de acesso” para o Sistema Solar exterior. Mas essa é uma especulação para o futuro distante. Para começar, seria uma boa tentarmos usar a água de crateras para manter uma base lunar. Se conseguirmos na Lua, não será difícil fazer igual em Ceres.
Enquanto esse futuro fantástico não chega, claro, a missão Dawn continua! A sonda iniciou uma fase estendida em julho e está atualmente numa órbita elíptica, a mais de 7.200 km de Ceres. Que outras descobertas ela poderá fazer? Não saia daí. O mais legal da exploração espacial é que nunca sabemos exatamente o que virá a seguir.

Uma das crateras de Ceres que serve como reservatório de água; a luz solar nunca bate no fundo. (Crédito: Nasa)
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/
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