
POR SALVADOR NOGUEIRA
Um longo processo de erosão está expondo um monte de gelo de água na superfície de Marte. É isso que constatou um grupo de pesquisadores trabalhando com o orbitador Mars Reconnaissance Orbiter, o mais próximo que temos de um satélite-espião em órbita marciana.
O trabalho, que tem como primeiro autor Colin Dundas, pesquisador do Serviço Geológico americano, acaba de ser publicado na edição desta semana da revista “Science”.
Eles constataram, ao analisar imagens de oito localidades diferentes no planeta, que a erosão está levando à exposição de depósitos de gelo de água que estavam até então escondidos pelo solo, a uma profundidade relativamente baixa — em certos casos tão baixa quanto um ou dois metros. Sua presença, por outro lado, pode se estender por até uns 100 metros no subsolo.
O processo erosivo, causado pela sublimação de parte do gelo (ou seja, sua conversão direta de sólido para vapor), está expondo as camadas congeladas das encostas que, pelo formato agudo, sugerem blocos de gelo coeso sob si mesmas. Ou seja, é um bocado de água congelada.
O resultado não é de todo surpreendente — medidas anteriores feitas por orbitadores já indicavam imensos depósitos de água sob a superfície de Marte –, mas é extremamente empolgante. Com essas camadas de gelo exposto, temos acesso a todo o processo que conduziu à sua deposição original, o que pode nos ensinar um bocado sobre o passado da atmosfera e do clima marcianos. Isso, claro, se nós ou nossos robôs puderem colocar as mãos nele.
O achado também sugere que Marte é um planeta que tem em abundância o recurso espacial mais precioso para futura ocupação e colonização: água. Não só todos os seres vivos precisam dela para se manter nessa condição como um processo simples pode convertê-la em oxigênio para respiração e combustível para foguetes. A descoberta é, portanto, o equivalente marciano de achar petróleo jorrando no quintal.

Imagem de escarpas feita pelo MRO revela a estrutura do gelo de água (em azul) no subsolo marciano. (Crédito: Nasa)
AGUAR OU NÃO AGUAR: EIS A QUESTÃO
Algumas pessoas podem ficar confusas com todo esse papo de água em Marte. Um dia os cientistas dizem que tem, no outro que não tem, nas fotos só parece um deserto seco. Afinal, qual é a da água em Marte?
Nessas horas é preciso fazer uma distinção. Não resta qualquer dúvida de que o planeta Marte seja rico nessa simpática substância chamada óxido de di-hidrogênio, também conhecida como H2O. Água tem de monte.
Podemos detectar sua “assinatura” nas calotas polares marcianas (sobretudo no verão), quando o gelo de dióxido de carbono congelado sobe de volta à atmosfera, deixando para trás a água congelada, cuja temperatura de fusão (transição de sólido para líquido) é mais alta.
Também já levamos uma sonda, a Phoenix, a uma região próxima aos polos, mas não diretamente nas calotas polares, e usamos seu braço robótico para escavar o solo avermelhado, revelando gelo de água logo abaixo.
Por fim, temos muitas evidências orbitais de que há muito hidrogênio armazenado no subsolo, logo nas primeiras camadas, provavelmente na forma de H2O.
Então de onde vem a polêmica? É a questão mais controversa é a da presença de água em estado líquido em Marte. Há sinais geológicos de que, no passado, muita água correu pela superfície, o que também é corroborado por análises de minerais hidratados (que só poderiam ter se formado em água líquida) detectados em Marte por jipes robóticos como o Spirit e o Opportunity.
A evidência é muito forte de que tivemos períodos com muita água líquida na superfície marciana, embora ainda restem algumas dúvidas porque ninguém consegue explicar como o planeta pode ter sido mais quente a ponto de permitir isso, considerando que os estudos mais recentes não conseguiram encontrar evidências de uma atmosfera antiga que tivesse efeito estufa suficientemente elevado para tanto.
E quanto ao presente? Ainda há água corrente hoje em Marte? Esse é o ponto mais controverso. Nos últimos anos, o próprio MRO (o “satélite-espião marciano”, capaz de ver coisas medidas em dezenas de centímetros na superfície, mesmo estando em órbita) encontrou alguns fenômenos sazonais, as chamadas RSL (linhas recorrentes nas encostas, em inglês), que parecem ter conexão com água líquida.
Um estudo mais recente, contudo, sugere que a maior parte do processo envolve apenas erosão em dunas, e que a água tem um papel coadjuvante, com a momentânea liquificação do pouquíssimo vapor d’água que existe na atmosfera marciana. É algo ainda a investigar.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
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