
POR SALVADOR NOGUEIRA
Um grupo de pesquisadores brasileiros identificou no interior de um meteorito proveniente de Marte estruturas que podem estar relacionadas com a presença de água líquida, e quem sabe vida, no passado recente do planeta vermelho. E o mais interessante: eles não precisaram estragar o meteorito para isso.
O astrobiólogo Bruno do Nascimento-Dias, do Laboratório de Instrumentação Eletrônica e Técnicas Analíticas (Lieta) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), juntamente com Marcelino dos Anjos, chefe do laboratório, e colaboradores do Laboratório de Instrumentação Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tiveram acesso a um fragmento de quatro milímetros do meteorito NWA 6963. Encontrado em setembro de 2011 em Marrocos, ele é uma rocha ígnea de origem basáltica que teve sua origem marciana identificada por conta de sua estrutura química e da distribuição de isótopos (variantes) do átomo oxigênio, que correspondem ao padrão do planeta vermelho.

Imagem do meteorito marciano NWA 6963, analisado por pesquisadores brasileiros (Crédito: Bruno do Nascimento-Dias)
O trabalho se concentrou em demonstrar o potencial de técnicas não destrutivas para a investigação de meteoritos marcianos. Trata-se de uma iniciativa muito importante, uma vez que esses meteoritos — que não são muitos — são as únicas amostras que temos hoje de Marte. Se cada análise for destruir um pedaço deles — e é geralmente isso o que acontece –, informações que não puderam ser levantadas por aquela análise em particular estarão perdidas para sempre — ou pelo menos até conseguirmos trazer uma rocha igual de Marte, o que, apesar do otimismo de alguns, não será tão já. (Sorry, Elon.)
O trabalho envolveu a aplicação de técnicas como fluorescência de raios X (em que se observa que átomos no interior da rocha reagem com a radiação, cada um reemitindo raios X em um padrão característico) e microtomografia computadorizada (que também envolve raios X, mas analisa o padrão da travessia da radiação pelo material, analisada por computador para gerar imagens em 2D e 3D do interior do objeto analisado).

Microtomografia computadorizada revela estrutura 3D do meteorito. (Crédito: Bruno do Nascimento-Dias)
Foi assim que eles encontraram uma estrutura peculiar no interior do meteorito, sem precisar quebrá-lo ao meio ou transformá-lo em pó. A hipótese de trabalho no momento é que ela seja feita de carbonato de cálcio (CaCO3), que por sua vez poderia ter origem biológica ou química. Nascimento-Dias reconhece que a hipótese ligada diretamente a vida, na forma de algum resquício fóssil, é a menos provável.
O mais provável é que o composto seja parte de um mineral de calcita ou aragonita incrustado no meteorito. Na Terra, esses minerais são geralmente formados apenas onde há água líquida. E o interessante é que o meteorito em si foi classificado como um shergotito intrusivo. O palavrão composto na verdade indica que se trata de uma rocha que estava localizada bem abaixo da superfície de Marte e que é relativamente recente — apenas algumas centenas de milhões de anos, em contraste com a idade do planeta, 4,6 bilhões de anos. Ou seja, ele implica a presença de água líquida no subsolo marciano “apenas” centenas de milhões de anos atrás — o que, no mínimo, faria dele um ambiente bem simpático a formas de vida como as que temos por aqui.
O resultado foi publicado no periódico “X-Ray Spectrometry” e marca apenas o início dos estudos da equipe brasileira com o meteorito marciano NWA 6963.
Confira a seguir, um rápido papo com Bruno do Nascimento-Dias a respeito da descoberta e do futuro do trabalhos.

Bruno do Nascimento-Dias, astrobiólogo da UFRJ
Mensageiro Sideral – Já há alguma hipótese para explicar as estruturas diferenciadas que encontraram no interior do meteorito?
Bruno do Nascimento-Dias – A resposta é sim! Na verdade, existem duas hipóteses que partem da possibilidade de essa estrutura ser composta por carbonato de cálcio (CaCO3). Esse carbonato de cálcio poderia ter sua origem bioquimiogênica ou quimiogênica.
Embora pouco provável, a hipótese bioquimiogênica estaria relacionada a essa estrutura ser um material de carbonato de cálcio “fossilizado”. Essencialmente, carbonato de cálcio se fossiliza a partir de material orgânico ou de forma bioquimiogênica, oriundo de microorganismos como os foraminíferos, de conchas ou de gastrópodes.
A outra hipótese quimiogênica relacionada a esse carbonato de cálcio é de que ele poderia ser um mineral de calcita ou aragonita incrustado no meteorito marciano. Esses minerais, em nosso planeta, via de regra são formados apenas em locais de meio aquoso, ou seja, em lugares que exista água líquida. Assim, mesmo não estando diretamente ligado a uma detecção “direta” de um possível registro fóssil de um organismo vivo, ele continuaria a ser um marco, pois seria uma evidência de que em Marte tem água ou teve água em seu passado recente e que, por termos encontrado ítrio (Y) no meteorito, um elemento de Terra Rara, ele poderia também estar relacionado a depósitos ou fontes hidrotermais localizadas abaixo da superfície marciana.
Essa última sugestão se dá por esse meteorito ser um shergotito intrusivo, que de forma resumidíssima poderíamos dizer que é uma rocha retirada de uma região bem abaixo da superfície marciana. E os shergotitos possuem apenas algumas centenas de milhões de anos, ou seja, é bastante recente.
Mensageiro Sideral – É importante desenvolver técnicas não destrutivas de análise, e nesse sentido o trabalho é bem importante. Mas não chega um limite em que teremos de passar para análises destrutivas? Ou esses métodos podem tornar análises destrutivas obsoletas?
Nascimento-Dias – É verdade que qualquer técnica analítica possui a sua limitação e que de modo geral em algum momento as análises destrutivas podem ter o seu valor particular. No entanto, eu defendo, enquanto as técnicas não destrutivas não possam dar “todas as respostas” sobre o que se possa estar procurando, que pelo menos as primeiras verificações ou as análises preliminares devam ser necessariamente feitas através de técnicas não destrutivas. A minha justificativa é simples, as técnicas que precisam “preparar” a amostra transformando-a em pó ou de qualquer outra forma retiram a integralidade do material, e boa parte da informação é perdida. Muitas vezes o mesmo material não pode ser reutilizado para ser analisado por outra técnica. Em nosso caso, não houve descaracterização da integralidade do meteorito marciano e novas análises poderão ser feitas sem que o conteúdo original tenha sido modificado ou perdido.
Mensageiro Sideral – Já há planos de futuros estudos e análises com esse meteorito marciano?
Nascimento-Dias – Sim, já existem alguns planejamentos e alguns deles, inclusive, estão em andamento. Esse resultado foi o que poderíamos chamar de fase 1, em que buscamos analisar a estrutura interna do material e a composição química elementar presente no meteorito marciano. A fase 2 pretende averiguar a composição química elementar nas regiões de maior interesse. Essas regiões são os locais em que a estrutura se encontra e novamente estaremos utilizando uma técnica não destrutiva que é a varredura de microfluorescência de raios X. A fase 3, que estaremos implementando neste ano, é de examinarmos as mesmas regiões de interesse através da técnica de Micro-Raman, que nos permite inferir os possíveis compostos orgânicos ou minerais que estão presentes na amostra, também de forma não destrutiva. E por fim, para o ano que vem, esperamos utilizar outras técnicas que nos possibilitem obter informações complementares e, se possível, de maneira não destrutiva.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
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