
POR SALVADOR NOGUEIRA
A Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros (BRAMON) fez mais uma bateria de descobertas impressionantes — dentre elas a primeira chuva anual de porte médio a ser identificada no país, daquelas que já vale a pena o observador casual tentar acompanhar. No total, foram 23 novas chuvas de meteoros. É isso mesmo, 23 — uma chuva de chuvas.
A de maior destaque acontece todos os anos ao redor do dia 16 de novembro, e tem seu radiante — o ponto no céu de onde parecem emanar os meteoros — na constelação austral da Baleia. Daí seu nome oficial, confirmado pela União Astronômica Internacional: são os Cetídeos de Novembro.
A constelação da Baleia não é difícil de achar, vizinha à zodiacal Peixes (confira no mapa), e, para descobrir a chuva, a BRAMON contou com o registro de 55 meteoros, distribuídos em quatro anos de observações.

A rede brasileira conta com 94 estações, mantidas por verbas privadas de voluntários participantes da rede distribuídos em 19 estados.
A ideia, com isso, é registrar meteoros mais brilhantes que cruzem o céu de múltiplos pontos de vista, espalhados pelo território nacional, e assim poder determinar exatamente sua trajetória antes da entrada do bólido na atmosfera terrestre. Assim, é possível determinar a órbita em que eles estavam e identificar uma possível origem comum de múltiplos meteoros — o que caracterizaria uma chuva.
O procedimento por vezes permite inclusive descobrir a que objeto celeste maior pertencem as partículas que formam a chuva. “No caso dos Cetídeos de Novembro, temos dois asteroides ‘na fila para o DNA’: o 2016 BE1 e o 2014 DS22”, revela Lauriston Trindade, um dos coordenadores da rede. “Já fizemos os testes de similaridade orbital e estes dois aparecem empatados.”

A órbita dos Cetídeos de Novembro, cruzada pela Terra em sua volta ao redor do Sol anualmente naquele mês. (Crédito: Lauriston Trindade/BRAMON)
O SEGREDO DA CHUVA DE CHUVAS
Para o amante da observação celeste, a descoberta mais interessante são os Cetídeos de Novembro. Mas para quem se interessa pela ciência dos meteoros de forma geral, o que mais impressiona mesmo é a imensa quantidade de descobertas feita pela equipe da rede: 23 novos radiantes.
A lista completa da IAU, com todas as chuvas consagradas, algumas sob investigação e outras descartadas por observações subsequentes, contém 821 entradas. As 23 novas chuvas brasileiras representam respeitáveis 2,8% do total. E é especialmente impressionante face ao fato de que as primeiras descobertas da BRAMON — duas chuvas, os Epsilon Gruídeos e os Caelídeos de Agosto — ocorreram meros três meses atrás.
Qual foi o segredo da explosão exponencial de produtividade? Como sempre nesses casos, a chave é uma só: criatividade e inovação.
Nas primeiras descobertas, todo o procedimento de cálculo das órbitas dos meteoros e seu posterior agrupamento era feito manualmente — processo exaustivo e lento. Dava para fazer melhor, e a chave era colocar o computador na parada. “Agregamos ao grupo o desenvolvedor de softwares Leonardo Amaral, de Bilac, São Paulo, e ele automatizou o que fazíamos manualmente após entender como se dava todo o processo por busca de similaridades orbitais”, contou Trindade ao Mensageiro Sideral.
“Assim, o software busca grupos de meteoros similares, testa para verificar se o agrupamento encontrado já foi catalogado, faz o teste de validação matemática, verifica na base do JPL [Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa] se existe algum cometa ou asteroide com órbita linear e nos devolve tais grupos para verificação e conferência final pelo Carlos Augusto Di Pietro e por mim”, arremata Trindade. “Aí verificamos inconsistências e nomeamos as chuvas.”
Desnecessário dizer que o salto de eficiência é brutal, e permitiu até incluir nas buscas até mesmo as bases de dados de meteoros de outras redes de observação, como a europeia e a japonesa. (É costume de todas as redes, inclusive a BRAMON, deixar seus dados todos em redes abertas, num espírito de cooperação mútua que permeia a astronomia amadora no mundo todo.)
“O software consegue cruzar os dados orbitais de 300 mil meteoros, em vez dos meus cadernos do Ben10, onde eu me esforçava para correlacionar 4.000”, brinca Trindade.
Confira a lista completa dos 23 novos radiantes e seus dias de pico (em negrito, a chuva de intensidade média, os Cetídeos de Novembro).
Canun Venaticídeos de Janeiro – 24 de janeiro
Leonídeos de Fevereiro – 18 de fevereiro
Canun Venaticídeos de Fevereiro – 20 de fevereiro
Fi Ofiucídeos – 11 de maio
Sagitarídeos de Junho – 3 de junho
Lambda Sagitarídeos – 4 de junho
Delta-2 Gruídeos – 22 de junho
Aquarídeos de Junho – 23 de junho
Cetídeos de Julho – 12 de julho
42 Piscídeos – 8 de agosto
Ursae Majorídeos de Agosto – 28 de agosto
Sigma Perseidas – 25 de setembro
Cetídeos de Outubro – 30 de setembro
Taurídeos de Outubro – 5 de outrubro
Lambda Capricornídeos – 15 de outubro
Aurigídeos de Outubro – 18 de outubro
Camelopardalídeos Noturnos – 27 de outubro
Fi Capricornídeos – 9 de novembro
Alfa Aurigídeos de Novembro – 13 de novembro
Cetídeos de Novembro – 16 de novembro
Ro Pupídeos de Dezembro – 3 de dezembro
E, acredite se quiser, isto é só o começo. “Em relação aos radiantes, hoje temos mais de 85 novos a serem comunicados até o fim do ano”, conta Carlos Augusto Di Pietro, um dos coordenadores da rede brasileira. “Somados aos 25 que já foram aprovados, os radiantes BRAMON compreenderão 10% do total de radiantes da lista da IAU.”
É um tapa na cara, daqueles bem dados, de quem diz que brasileiro não sabe fazer pesquisa de ponta. O que o Brasil infelizmente não sabe fazer é apoiar adequadamente pesquisa de ponta. Não por acaso, os resultados acima descritos, de nível internacional, foram produzidos por pesquisadores autofinanciados.
E, para apresentar os novos resultados à comunidade astronômica mundial — inclusive a inédita automatização de análise de dados –, a BRAMON está promovendo uma vaquinha para enviar Lauriston Trindade à Conferência Internacional de Meteoros (IMC), que acontecerá em Petnica, na Sérvia, em setembro próximo. A meta é arrecadar R$ 8.500, dos quais cerca de R$ 3.000 já foram captados.
Se você tiver um trocado sobrando aí, fica a dica.
FONTE: http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br
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